05/03/2008 - 10:00
EM ETAPAS
O ministro Mantega apresentou a reforma aos empresários, mas ainda falta definir as alíquotas dos impostos
Sempre que ouvem falar de reforma tributária no País, os contribuintes animam-se e ficam torcendo pela redução da escandalosa carga de impostos que pesa nos seus bolsos. Há anos, os brasileiros convivem com um nível de arrecadação recorde, em torno de 38% do PIB. E não vêem a hora de se livrar desse fardo. Na quinta-feira 28, uma nova proposta de mudanças no sistema tributário nacional foi encaminhada ao Congresso pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega.
O objetivo, desta vez, é simplificar e desburocratizar o modelo atual, harmonizando a tributação sobre o consumo e a circulação de mercadorias.
O momento que o País atravessa, crê o ministro, é altamente propício, pois "o crescimento econômico facilita o fechamento da equação fiscal". Através de uma emenda constitucional, a Fazenda propõe a criação de um Imposto sobre Valor Adicional (IVA-Federal), que substituirá PIS, Cofins e Cide, e a adoção de um novo ICMS, a ser recolhido apenas no Estado de origem. Pelo projeto oficial, também haverá desoneração dos produtos exportados. Era intenção do governo desonerar as contribuições que incidem sobre as folhas de pagamento, mas isso ficou para um projeto de lei. Em linhas gerais, a iniciativa repete propostas anteriores, por sinal, malogradas, e deixa no ar uma pergunta: será que algum dia será anunciado um pacote de medidas para reduzir a carga tributária? Até prova em contrário, nada vai mudar na vida do contribuinte. Mesmo com a extinção da CPMF, a arrecadação federal não pára de subir. Em janeiro, a cobrança de impostos e contribuições atingiu R$ 62,596 bilhões. Subiu 20,02%, um recorde para o primeiro mês de um ano. O secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, explicou que o resultado é atípico. Foi decorrente do crescimento da economia, que aumentou a lucratividade das empresas e, em conseqüência, a arrecadação de Imposto de Renda Pessoa Jurídica e a Contribuição sobre o Lucro Líquido. O sisudo jornal inglês Financial Times tem versão mais singela sobre os seguidos recordes de arrecadação no Brasil. Em reportagem esta semana, o FT ressaltou que, no Brasil, uma empresa típica precisa trabalhar 2.600 horas por ano para pagar todos os impostos, o que faz do País o pior entre 177 analisados em pesquisa. Na Irlanda, por exemplo, bastam 76 horas. "Grandes empresas brasileiras contratam batalhões de advogados para guiá-las pelo labirinto dos regulamentos", ressalta o jornal.
"O crescimento econômico hoje facilita o fechamento da equação fiscal no País"
GUIDO MANTEGA, MINISTRO DA FAZENDA
CRUZADA
Paulo Skaf, da Fiesp, provou que estava certo ao defender o fim da CPMF
Quem acertou na mosca foi o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, na sua cruzada contra a pletora de impostos. "Bem que eu avisei. A CPMF foi extinta, mas a arrecadação bate recorde." Em sua luta quase quixotesca, Skaf esteve no Palácio do Planalto, na quarta-feira 27, para acompanhar a apresentação solene da proposta de reforma tributária aos empresários e, como era de esperar, foi uma das poucas vozes dissonantes. Convidado pelo ministro Mantega a "esquentar o debate", não se fez de rogado. Olimpicamente, Skaf disse que vai lutar pela aprovação da reforma ainda este ano, já que as mudanças procuram simplificar e desburocratizar o sistema tributário e pretendem também pôr fim à guerra fiscal. Mas voltou a bater em sua tecla preferida: "É muito importante que o aumento da arrecadação seja devolvido à sociedade através da redução das alíquotas e do alongamento dos prazos." E idéias originais, como a do Imposto Único, lançada pelo professor Marcos Cintra, da FGV, para simplificar o sistema, trocando todos os impostos por um único tributo, nem sequer foram consideradas.
Presente ao encontro com os empresários, o presidente Lula mostrou-se preocupado com o futuro da proposta em um ano marcado por eleições municipais: "Vocês conhecem o Congresso e sabem que, a partir de julho, está todo mundo na rua fazendo campanha." Sensível aos anseios da opinião pública, o presidente não deixou a crítica de Paulo Skaf sem resposta. Prometeu que, assim que a reforma for aprovada, "será possível sonhar com uma redução das alíquotas". Um sonho, na verdade, muito distante. Após examinar por alto a proposta oficial, tributaristas de renome foram unânimes em apontar o risco de aumento dos tributos. Teme-se que a decisão de partilhar a arrecadação do IVAFederal com os Estados possa levar a União a buscar compensações. "A União vai precisar de mais recursos para honrar esses compromissos. Alguém terá de pagar essa conta", adverte o experiente advogado Ives Gandra Martins. O ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, também teme pelo pior: "Neste modelo, ninguém garante que não haverá aumento da carga tributária."
EM ETAPAS
O ministro Mantega apresentou a reforma aos empresários, mas ainda falta definir as alíquotas dos impostos
As rodadas de discussão com empresários e sindicalistas sobre o texto oficial também comprovaram que reduzir impostos e desonerar custos não passou de uma boa intenção. O secretário de Política Econômica, Bernard Appy, bem que tentou aparar arestas em suas consultas a tributaristas, políticos e entidades de classe. Redigiu várias minutas até chegar à que considerou ideal. Mas suas idéias não resistiram aos primeiros embates. Por pressão das centrais sindicais, o próprio presidente Lula interveio e derrubou, por exemplo, a redução de 20% para 14% da contribuição patronal para o INSS. Foi adiada, então, a desoneração mais forte das folhas de pagamento – restou apenas a eliminação dos 2,5% do salário-educação, que serão incorporados ao IVA-Federal. Retirada da emenda constitucional, a desoneração será enviada ao Congresso na forma de projeto de lei, mas só depois de aprovada a reforma tributária. Ou seja, ninguém sabe quando. O governo também teve de ceder à pressão dos Estados produtores contra a cobrança do ICMS apenas no destino. Por sugestão do governador Aécio Neves, será mantida uma alíquota residual de 2% de ICMS nos Estados de origem dos produtos. O secretário da Fazenda do Rio de Janeiro, Joaquim Levy, pede que o petróleo seja incluído nessa lista de produtos. E o governador de São Paulo, José Serra, alegando o sacrifício de suas receitas, exige uma alíquota de no mínimo 4%.
O próprio ministro Guido Mantega confessou aos empresários que não conseguiu eliminar o IPI e o ISS. Explicou que acabar com o IPI seria o mesmo que acabar com a Zona Franca de Manaus, e, em relação ao ISS, "houve forte reação dos grandes municípios". Mantega admite os limites da proposta do governo Lula: "Essa é a reforma possível." Na tentativa de adoçar a boca da opinião pública e facilitar a aprovação do pacote, Mantega acenou com novas alíquotas (mais baixas) na tabela do Imposto de Renda Pessoa Física e também com a regulamentação do imposto sobre grandes fortunas. Mas promessas são promessas. O certo é que, com esses acenos, o ministro também dá sua contribuição para desvirtuar ainda mais o projeto original. Na verdade, antes mesmo de passar pelo escrutínio do Congresso, a proposta de reforma tributária já foi devidamente diluída. No Legislativo, seu destino não será muito diferente. Certamente, surgirão lobbies fortíssimos para impedir prejuízos de Estados e municípios. Ninguém abrirá mão de alíquotas e receitas. E, no fim das contas, a corda vai arrebentar onde sempre arrebentou: nas mãos dos contribuintes