30/11/2005 - 10:00
Primeiro foi George Lucas quem deu graças a Deus por ter colocado um ponto final na saga de Guerra nas estrelas para, enfim, poder se dedicar a projetos mais pessoais. Agora é Martin Scorsese, 63 anos, quem confessa estar cansado das superproduções hollywoodianas. O diretor de Aviador pretende dedicar-se mais aos documentários, o que não chega a ser uma surpresa. No início de carreira, Scorsese já havia assinado o ótimo O último concerto de rock (1978), registro do show de despedida do grupo americano The Band, e envereda periodicamente pelo “cinema do real” em títulos como Il mio viaggio in Italia (1999), entre outros.
Sua mais nova aventura documentária chama-se No direction home: Bob Dylan (Paramount), feito para a televisão e aqui lançado diretamente em DVD duplo. O retrato do jovem Dylan, contrapondo entrevistas recentes às suas declarações e shows do início de carreira, sai junto com a edição especial de Touro indomável (Fox), de 1980, DVD duplo com quase uma hora de extras, um belo exemplo do tipo de cinema que Scorsese anda sentindo falta. Para se ter uma idéia, ele fez o filme em preto-e-branco porque o amigo Michael Powell observou que as luvas vermelhas do boxeador Jake LaMotta – papel que deu o Oscar a Robert De Niro, que virou uma baleia por puro realismo – iam ficar exageradas em cores. O que dizer então da trilha sonora, que fundiu sons de cavalos e elefantes aos sopapos das lutas?
Mais convencional, mas não menos brilhante, No direction home, verso tirado da música Like a rolling stone, flagra a lenda do rock americano no início de carreira, como cantor folk migrado para a Nova York pós-beatnik. Recompõe sua trajetória com preciosos materiais do arquivo pessoal do artista até o seu acidente de moto, em 1966, quando era chamado de Judas por ter eletrificado seu som. É o complemento visual e sonoro ao livro Crônicas: volume 1 e deve ser visto mesmo por quem não se liga muito no trabalho de Dylan – se isso for possível, claro. Entre os inúmeros grandes momentos, estão a apresentação do Newport Folk Festival, em 1965, quando Pete Seeger quis cortar os cabos dos amplificadores com um machado, ou a passagem atual, em que o cantor pede desculpas a Joan Baez, sua namorada na época, por não tê-la convidado a subir no palco de sua turnê inglesa, de 1966. “Não se pode ser esperto e apaixonado ao mesmo tempo. Espero que ela entenda isso hoje.” Sem bajulações, Scorsese desmitifica Dylan e traça, de quebra, um imperdível painel de uma época.