O mar que separa a América do Sul da Antártida tem 850 quilômetros de largura e leva o nome de estreito de Drake – homenagem ao explorador britânico Francis Drake, o primeiro a alcançar o Pacífico por esse caminho, em 1578. Para a maioria dos homens do mar, no entanto, esse nome significa destemor e coragem. Ali, ao sul da Terra do Fogo, temperaturas baixíssimas somam-se a ventos de até 200 km/h e ondas de 20 metros de altura. Fazer a travessia a bordo de um catamarã – com apenas seis metros de comprimento, duas velas e sem cabine – seria loucura na certa. O velejador santista Beto Pandiani preferiu chamar de desafio e, ao lado do sul-africano Duncan Ross, realizou a proeza no verão de 2003. A viagem é narrada no livro A travessia do Drake (Ed. Terra Virgem, 120 págs., R$ 55), com texto de Moysés Pluciennik, 74 fotos de Julio Feldi e, infelizmente, nenhum mapa.

Catamarã é uma embarcação leve e veloz, sustentada por duas “asas” flutuantes, na qual os navegantes viajam ao relento. “Pouco mais do que uma jangada de alta tecnologia”, compara Pluciennik. Para evitar que a aventura se transformasse em catástrofe, Pandiani convenceu o francês Oleg Belly, que já havia cruzado 30 vezes o Drake, a monitorar os boletins meteorológicos e seguir a dupla durante o percurso, sempre em contato por rádio. Físico aposentado, Belly mora no barco Kotic II com a mulher e dois filhos adolescentes. Aceitou o convite com a condição de, caso necessário, ter autonomia para abortar a missão. “Se tivesse de fazer isto de novo, não sei se faria. A sorte é uma deusa caprichosa”, diz o comandante Belly.

Os navegantes partiram de Ushuaia, na Argentina, rumo à Caleta Martial, nas proximidades do Cabo Horn, onde acamparam à espera de uma janela de tempo de quatro dias, necessários para a empreitada. No dia 3 de fevereiro, as estações meteorológicas da França e dos Estados Unidos contratadas pela expedição enviaram a mesma previsão: dois dias de ventos favoráveis seguidos de um dia de extrema calmaria e um quarto dia com provável tempestade. A luz verde despontava com timidez e causava dúvidas na equipe: daria tempo? Chegariam com vida às Ilhas Shetland, já na península antártica? Ou a fúria do Drake os pegaria de surpresa no meio da travessia? Para Oleg Belly, as chances de sucesso resumiam-se a 30%. Mas o grupo decidiu que não seria necessário mais do que isso. A expedição partiu às 14h do dia seguinte e, após 82 horas de frio, cansaço e enjôos, finalmente venceu o estreito maldito. “Foi minha viagem mais ousada, aquela em que fiquei mais tempo velejando sem escalas e a que exigiu a logística mais refinada”, conta Pandiani. “Identifico momentos de alegria, de medo e de enorme concentração, mas minhas lembranças são nebulosas. Ainda hoje, tenho dúvidas se realmente cruzei o Drake. Acho que Duncan e eu, durante a travessia, fingíamos que não estávamos de fato ali. Se caíssemos na real, talvez entrássemos em pânico”, diz.

A comitiva permaneceu um mês no continente branco antes de retornar ao Brasil. Dessa vez, o catamarã foi desmontado e os velejadores preferiram pegar uma carona com Belly. Em maio deste ano, Pandiani lançou-se novamente ao mar e viajou de Miami a Groenlândia, cruzando o círculo polar ártico. A aventura estará no livro Rota Boreal, previsto para o próximo ano. Tendo realizado, ainda em 1994, uma travessia entre trópicos, de Miami a Ilhabela, Pandiani tornou-se o primeiro homem a cumprir toda a extensão Norte–Sul do planeta, ligando Pólo Sul e Pólo Norte a bordo de um catamarã. Para 2007, ele planeja uma viagem do Chile à Austrália, cruzando o oceano Pacífico. Como sempre, em uma jangada de alta tecnologia.