30/11/2005 - 10:00
O governo, os políticos, os empresários e as torcidas de todas as cores viveram uma semana aflita, diante de uma possibilidade impensável: Ronaldinho Gaúcho, o melhor do mundo, vai deixar o Barcelona? Esta foi a metáfora, mais uma, do técnico Luiz Inácio Lula da Silva, em entrevista a rádios, na quinta-feira 24, para enterrar as especulações que assustaram o mercado há dez dias, a partir de uma entrevista arrasa-quarteirão da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, desclassificando a política econômica do ministro da Fazenda, Antônio Palocci, o Ronaldinho de Lula. “Mexer no Palocci seria o mesmo que tirar o Ronaldinho do Barcelona. Ele é de uma competência acima da média das pessoas que já passaram pela Fazenda no Brasil”, elogiou Lula.
Os fartos elogios de Lula a Palocci sinalizam que seu principal jogador fica, mas com uma flexibilização da economia, exigência cada vez maior diante dos indicadores divulgados nos últimos dias e que mostram que a economia vem perdendo fôlego. O presidente também está atento às pesquisas que revelam fortalecimento do tucano José Serra em um cenário de embate entre os dois na campanha do ano que vem. Mas Lula começou a semana enredado numa sopa de palavras que afundaram Palocci ainda mais na crise. Na segunda-feira 21, o ministro estava tão irritado com a falta de defesa de Lula ao ataque de Dilma que ameaçou não comparecer à sanção da MP do Bem, no Palácio do Planalto.
Na cerimônia, Palocci manteve a cara fechada para sua desafeta, que no sábado 19, em Salvador, cutucara ainda mais a fera: “Quem está errado é ele (Palocci).” O discurso desastrado de Lula só piorou o quadro: “A política econômica é do governo, não do ministro Palocci”, disse. Tenso, sem descontrair o rosto um só momento, Palocci esperou o fim do discurso para ir embora rapidamente, sem cumprimentar ninguém. A cama do ministro começou a ser feita na semana anterior. Um senador contou a Dilma sobre a hostilidade que a tesoura de Palocci abria no Congresso. “O senhor diria isso ao presidente?”, perguntou ela. No dia seguinte, Dilma cancelou uma viagem de Lula ao Espírito Santo para proporcionar o encontro. “O lado ruim do governo é que ele não acerta e não cumpre nada com o Congresso, presidente”, disse o parlamentar. Lula concordou.
Embate – Na noite de segunda-feira, Palocci voltou ao Planalto para uma conversa longa e ríspida com o presidente: “Não serei outro José Dirceu, que se esvaiu em sangue, perdeu o poder e agora pode perder o mandato. Não precisam me fritar, eu saio já.” “Palocci, vamos parar com isso! A política econômica não vai mudar e você continua no governo”, desdenhou Lula. “Mas, presidente, o governo precisa ter coesão”, insistiu o ministro. “A coesão sou eu”, rebateu Lula. A partir dali, a corte se mobilizou para salvar o pescoço do ministro, sujeito à guilhotina no dia seguinte na Comissão de Finanças da Câmara. Palocci deu a volta por cima – convencendo os deputados, levantando a Bolsa de Valores, derrubando o dólar e restabelecendo uma certa ordem no campeonato. “Ruim com ele, pior sem ele”, resumiu um senador da base aliada, depois de conversar com empresários e banqueiros que moveram mundos e fundos para preservar o Ronaldinho da Fazenda.
Além da desestabilização no mercado, os agentes temiam o nome do sucessor, como o de Aloizio Mercadante, líder do governo no Senado, que dormiu domingo como ministro, convidado por Lula. Chegou a comprar uma gravata vermelha para a posse. Outra alternativa, o presidente do BNDES, Guido Mantega, hoje aliado de Dilma, circula cada vez mais pelo Planalto. Palocci sobreviveu porque não quer perder o foro privilegiado, no momento em que o Ministério Público de Ribeirão Preto e a polícia apertam o cerco sobre seus ex-assessores. Mas terá que abrir a mão: na sexta-feira 25, Lula irrigou o Nordeste com R$ 4,5 bilhões para a Transnordestina, ferrovia que liga os portos de Pecém (CE) a Suape (PE), além de R$ 2 bi para microcrédito. Como quer Dilma, como pede o PT e como exige Lula, Palocci vai abrir, aos poucos, os cofres. Na quinta-feira, permitiu a liberação de R$ 2 bilhões para emendas de parlamentares e o repasse de 15% à folha do Congresso. Na véspera, o Comitê de Política Monetária do Banco Central reduziu em 0,5% a taxa básica dos juros. Com 18,5%, ainda é a maior taxa do mundo.
Apesar de já começar a ceder, o Ronaldinho de Lula vai continuar enfrentando mais pressões diante dos números preocupantes divulgados pelo IBGE na quinta-feira 24: desemprego empacando e renda do trabalhador caindo. Na quarta-feira 30 Palocci poderá receber notícias que vão alimentar mais a artilharia contra a rigidez da economia: a divulgação do Produto Interno Bruto do terceiro trimestre, que, segundo expectativas do mercado, será fraco, podendo ser até negativo. Uma conjuntura que favorece a flexibilização da política econômica.
Mas como jogador habilidoso, Palocci vai driblando os adversários, enfrentando as trombadas com a dama de ferro da Casa Civil. Uma resistência que lembrar a de seu ex-companheiro de Ministério, o deputado José Dirceu, pivô de um novo confronto entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal. Na quarta-feira, por cinco votos contra cinco, o STF prolongou a vida de Dirceu, que espera pelo voto decisivo do ministro Sepúlveda Pertence para saber se vai a julgamento no plenário da Câmara na quarta-feira 30.