20/12/2001 - 10:00
O pequeno Eric, cinco anos, nasceu com uma síndrome que os médicos não identificavam. Ele não se comunicava, mas também não era classificado como autista. Fisicamente era normal, mas permanecia fechado em um mutismo absoluto. O milagre aconteceu pouco menos de um ano atrás, quando seu pai, Richard Rasmussen, o levou para montar e os dois passaram a cavalgar juntos Thor, um magnífico cavalo bretão. Milagre? Muitos crêem que sim. Mas para um número cada vez maior de terapeutas, trata-se de ciência pura. Eles atribuem aos animais, principalmente aos cavalos, um dom especial de se relacionar com os enfermos, sobretudo crianças, fazendo-as reagir positivamente a estímulos físicos e psicológicos.
Já nas primeiras cavalgadas com o pai, Eric começou a abrir-se para o mundo. No princípio, eram grunhidos indecifráveis, mas que mostravam que o menino tinha prazer com os passeios. Os médicos e fonoaudiólogos que acompanhavam o caso foram apanhados de surpresa e rapidamente os grunhidos se transformaram em gargalhadas. Gradativamente, sons foram se articulando até que Richard ouviu do filho, pela primeira vez, a palavra que, como ele conta emocionado, atingiu sua mente e coração como um raio: “papai”. No ano que vem, Eric já irá para a escola, matriculado na primeira série.
Foi a partir da experiência com o filho que Rasmussen, 31 anos, um descendente de dinamarqueses apaixonado por animais e pela natureza, resolveu ampliar as atividades de sua Casa das Tartarugas, centro conservacionista de animais implantado na Granja Viana, na Grande São Paulo. Ali, segundo explica Richard, vem sendo desenvolvido um novo conceito no Brasil que alia a conservação da fauna ao uso dos animais como ferramentas de trabalho para educação ambiental e saúde. São mais de 500 répteis, 400 aves e diversos mamíferos da fauna brasileira.
A Casa das Tartarugas existe há quatro anos. Teve início com o comércio de pequenos animais, mas só a partir de fevereiro que sua estrutura foi colocada à disposição de terapeutas. Ao mesmo tempo, cresceu também o processo de educação ambiental, com visitas de escolas ou grupos organizados de crianças. Ali, de acordo com a bióloga Ana Paula Giorgi, 27 anos, responsável pela área de educação ambiental, não só se passa às crianças noções de como respeitar e lidar com a natureza, mas também se promove a interação delas com os animais por meio do contato direto, do afago. “As crianças têm em casa uma carga formidável de informação sobre os animais por meio da televisão. Aqui, optamos pelo contato direto, pois achamos que ele é muito mais interativo e estimulante”, explica Ana.
Terapia – Segundo a responsável pela área de zooterapia, Cristina Reuter Camargo, 31 anos, lidar com animais é uma atividade terapêutica com resultados em várias patologias. A proposta inicial é atender pacientes com distúrbios neurológicos, mas, de acordo com Cristina, no futuro outras áreas poderão ser beneficiadas, como no caso de crianças autistas ou com deficiência de atenção. Os trabalhos são acompanhados por fonoaudiólogos e psicólogos. “As terapias têm supervisão médica e de preferência são acompanhadas pelo clínico do paciente”, diz Cristina. No caso da equoterapia (tratamento com cavalos), o doente transfere-se da cadeira de rodas para o animal. “Os resultados são surpreendentes, pois montar já é ultrapassar uma grande barreira psicológica”, afirma Cristina. No caso de doentes com dificuldades motoras, segundo a terapeuta, o andar do animal transmite ao cavaleiro movimentos semelhantes aos da marcha do ser humano. “O cavalo transmite deslocamento anterior-posterior (de frente para trás) e látero-lateral (para os lados) e também vertical (para cima e para baixo). Por meio desses movimentos, são passadas informações para o sistema nervoso central do paciente, ensejando respostas adequadas”, explica Cristina. Por outro lado, um animal de grande porte como o cavalo oferece alguns obstáculos para ser montado. Com o controle da montaria, o paciente ganha autoconfiança, melhora a auto-estima, o que ajuda na reabilitação.
Além da equoterapia, na Casa das Tartarugas são desenvolvidas atividades com pequenos animais domésticos e selvagens. O objetivo é promover a socialização, a motivação e a recreação dos pacientes. Cristina cita, por exemplo, o caso de Kelly, uma menininha presa à cadeira de rodas que não apresentava movimentos nos braços. “Foi fantástico. Jogamos sobre seus braços uma cobra (inofensiva, não-peçonhenta) e sua reação de defesa com os membros então paralisados foi imediata: ela levantou os dois braços num recuo defensivo. Foi o início do processo de recuperação”, lembra.