Quantas emoções e surpresas cabem em um único dia da vida de uma família da alta classe média inglesa? Se a narrativa estiver nas mãos hábeis de Ian McEwan, um dos mais importantes nomes da literatura inglesa contemporânea, a resposta é toda uma eternidade. O que poderia ser o início de um fim de semana modorrento, em meio a picuinhas familiares e conflitos de gerações, se torna, em Sábado (Companhia das Letras, 344 págs., R$ 47), o ponto de partida para uma impressionante carga concentrada de reflexões sobre o terrorismo, a ameaça islâmica ao Ocidente, a violência urbana e as mazelas do sistema de saúde pública. E tudo ocorre em meras 24 horas de um sábado que deveria ser de folga para o doutor Henry Perowne.

O longo e extenuante sábado que dá nome ao livro se inicia na madrugada fria em que um insone Perowne assiste ao pouso de emergência de um avião em chamas. Habitante de um mundo ainda assombrado pelos atentados de 11 de setembro, o médico inglês começa aí uma jornada que deveria ser de pura rotina e descanso. Na prática, as 24 horas seguintes, em que pese seus esforços para manter o máximo de normalidade possível e desejável para uma equilibrada fleuma britânica, vão jogá-lo em meio a um intenso redemoinho de situações e emoções que sempre imaginou tão distantes de sua realidade quanto a Lua.

A caminho de sua habitual partida de squash com um colega anestesista, o neurocirurgião Perowne enfrenta uma batida proposital em seu reluzente Mercedes esporte, uma surra interrompida pelo diagnóstico que faz, em meio à pancadaria, do líder dos bandidos agressores – vítima da doença de Huntington, mal degenerativo incurável que, ao ser revelado aos demais membros da gangue, desencadeia todos os fatos posteriores. Mesmo agredido, Perowne insiste em manter-se a salvo da vida real e disputa sua partida de squash sem nada dizer ao colega. Mais tarde, irá ao mercado comprar peixes, descritos e posteriormente cozidos com as minúcias típicas de um cirurgião. E por aí se desenrola um longo dia que mantém o leitor irremediavelmente preso aos menores detalhes da narrativa, ainda que eles apenas descrevam a abertura da garrafa de gim que embriagará o velho poeta ou os acordes da guitarra do filho, músico em início de carreira, apaixonado por blues. Um livro que o leitor torce que dure muito mais que as horas de um dia permitem.