O Brasil está com um pé fora da Área de Livro Comércio das Américas (Alca). A discórdia explodiu quando o Congresso americano começou a aprovar um mecanismo de proteção da economia local contra produtos estrangeiros, batizado de “fast track”, na semana passada. Pelo projeto, o presidente americano ganha plenos poderes de autorizar acordos comerciais com outras nações, agilizando negociações internacionais (daí o “fast”, que significa rápido em inglês) sem precisar passar por ajustes dos congressistas. A carta branca que o presidente ganha é acompanhada de uma série de recomendações, como sempre preservar o mercado interno acima de quaisquer interesses ou impor períodos de ajuste para a importação de produtos considerados sensíveis à economia local.

Na prática, os EUA criam uma rede de proteção a seus interesses internos tão ampla que inviabiliza a Alca. Na teoria, a área de livre comércio, que englobaria 34 países das Américas, está sendo discutida justamente para eliminar barreiras locais de proteção e facilitar o comércio entre os países. Com a aprovação do fast track, que ainda deve passar pelo Senado, os EUA fazem um jogo duplo interessantíssimo para suas próprias ambições: todas as economias do continente teriam as regras de competição afrouxadas para se adaptar à Alca, enquanto a maior potência do mundo tranca seu mercado às empresas estrangeiras.

No Brasil, o movimento americano causou uma rara unanimidade entre o governo e a oposição. Ninguém gostou da posição autoritária tomada pelo governo Bush. O próprio presidente Fernando Henrique Cardoso criticou abertamente os EUA. “O Congresso americano acabou de aprovar o fast track para negociações com a Alca. Mas aprovou com condicionantes que, se forem levadas ao pé da letra, significa que não vai haver Alca”, disse FHC, na terça-feira 13. Horas depois, foi a vez de Lula, o provável candidato à Presidência pelo PT, concordar com o presidente nas críticas. “Do jeito que eles (os EUA) querem, não será um projeto de integração entre os países, mas de anexação”, afirmou o oposicionista.

O Congresso brasileiro também viveu momentos de reação conjunta à postura americana. Uma conclamação ao governo brasileiro, proposta pelo petista Aloizio Mercadante, foi aprovada por unanimidade na Comissão de Relações Exteriores da Câmara. O texto pede que o País se retire das negociações para a formação da área livre. O presidente da Câmara, Aécio Neves, cogitou até embarcar às pressas para os EUA para levar pessoalmente o documento a seus colegas americanos. Como os acordos de integração comercial devem, necessariamente, ser aprovados pelo Congresso, a postura dos deputados reforça o clima de velório da Alca.

O presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Horácio Lafer Piva, endossou o coro dos descontentes. “Se o acordo for danoso para o Brasil, poderemos deixar a Alca”, afirmou. O empresário completou dizendo que a Alca não é a única opção para o Brasil aumentar suas exportações. Segundo ele, a União Européia, a África e países como a China e a Índia podem se tornar, no futuro, grandes parceiros comerciais do País. Sem um recuo americano, devem ser esses mesmos os destinos dos produtos brasileiros no futuro.