12/11/2003 - 10:00
A gravidez é uma experiência única. Mas, para que tudo corra bem, é fundamental tomar vários cuidados durante esse período. Nos últimos anos, essa atenção tem contado cada vez mais com a ajuda da ciência. Tanto é que uma das áreas com grande velocidade de aprimoramento é a medicina fetal. Com o avanço dos exames de diagnóstico por imagem, já é possível detectar grande parte das anormalidades que podem ocorrer durante a formação do bebê. E, se for necessário, os especialistas realizam cirurgias de correção quando a criança ainda está no útero. “É importante diagnosticar precocemente qualquer complicação para preparar melhor o parto ou tratá-la antes do nascimento”, resume Jurandir Passos, coordenador do setor de medicina fetal do laboratório Delboni Auriemo, de São Paulo.
Os investimentos na medicina fetal incluem uma maior preocupação com a formação do especialista. Desde o ano passado, por exemplo, a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) oferece a disciplina em seu currículo de graduação. Foi a primeira iniciativa do gênero no País. Em geral, o médico só tem contato com a área depois de fazer especialização em ginecologia e cursar uma pós-graduação em medicina fetal. A atitude da universidade é um reflexo do aumento da demanda observada na área. De alguns anos para cá, cresceu o número de pais interessados em acompanhar a vida do bebê desde a sua concepção. “Observamos um aumento de 20% na procura pelos serviços”, conta Sang Cha, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Fetal.
Alterações – Não por acaso, os laboratórios também apostam neste filão. O Delboni inaugurou uma unidade equipada com aparelhos de ponta para diagnóstico. Outro laboratório paulista, o Elkis e Furlanetto, investiu para incrementar seu setor de medicina fetal. E, no laboratório Fleury, também em São Paulo, os exames pré-natais estão entre os mais solicitados. Felizmente, a maior parte dos testes mostra um bebê saudável. “Apenas 3% dos que nascem apresentam alguma má-formação”, diz Adolfo Liao, do Hospital São Luiz e do Hospital das Clínicas, na capital paulista. Na maioria dos casos não se conhece o motivo. Uma porcentagem pequena é resultante de alterações genéticas ou de problemas de saúde da mãe que interferem no desenvolvimento do feto.
Hoje, a cartilha da medicina fetal determina que as gestantes se submetam em média a três ultra-sonografias. A primeira deve ser feita o mais cedo possível. Ela tem a função de saber se o bebê está vivo e sua idade gestacional. Depois, entre a 11ª e a 14ª semana, é hora de outra ultra-sonografia para conhecer a medida da distância entre a coluna do feto e a pele. Se houver um acúmulo de líquido na área, pode ser sinal de que a criança tem chances de ser portadora de problemas como a síndrome de Down ou de doenças no coração que podem, inclusive, alterar os batimentos cardíacos. Por isso, quando há suspeita, os bebês devem ser acompanhados com rigor. Se for preciso, realiza-se a amniocentese (retirada do líquido amniótico do útero). O exame revela com exatidão se a criança será portadora de doença genética.
Entre a 20ª e 24ª semana, a mãe deve fazer uma ultra-sonografia para verificar toda a anatomia do bebê, o que pode denunciar anormalidades como a presença de cistos pulmonares, acúmulo de água no cérebro (hidrocefalia) e espinha bífida (defeito de formação da coluna vertebral que pode levar à paralisia). “O exame é minucioso e precisa ser feito por um profissional capacitado”, detalha Thomaz Gollop, especialista em medicina fetal, de São Paulo. Por volta da 28ª semana, mais uma ultra-sonografia para análise das condições gerais do bebê.
Nos casos de diagnóstico de alguma anormalidade, as estratégias de tratamento são variáveis. Há situações que requerem um simples acompanhamento (como um pequeno inchaço nos rins, sem maiores repercussões). Em outros, recorre-se a procedimentos mais complexos. É o caso da correção de alterações nos batimentos cardíacos. Nessas circunstâncias, são usados desde remédios dados à mãe – eles chegarão ao bebê por meio do cordão umbilical – até marcapassos, em casos mais graves. Sua colocação é delicada e implica introdução do minieletrodo no músculo cardíaco do feto com ajuda de uma agulha. “O marcapasso reverte a situação. Mas, depois de nascido, o bebê precisa passar por outra intervenção para corrigir o problema definitivamente”, explica Renato Assad, cirurgião do Instituto do Coração de São Paulo.
Cirurgias – O tratamento de cistos pulmonares também envolve muita capacitação. Numa cirurgia, é introduzida uma haste metálica na barriga da mãe. Guiado por ultra-som, o instrumento carrega um cateter até o tórax do bebê. O excesso de água é drenado e transferido para o líquido amniótico. Se isso não for feito, o cisto compromete o desenvolvimento do pulmão. Na hora do parto, a criança pode morrer de insuficiência respiratória. A supervisora de telemarketing Simone Santos acredita que seu filho Matheus, hoje com oito meses, só foi salvo por causa dessa intervenção. Aos seis meses de gravidez, ela descobriu que ele estava com um cisto no pulmão. O procedimento foi feito pela equipe do cirurgião Antônio Moron, da Unifesp, e Matheus nasceu com oito meses, cheio de saúde. “Era a única chance que tinha. Os médicos me disseram que provavelmente ele não resistiria ao nascimento”, conta a mãe.
É claro que essas cirurgias, apesar de serem pouco agressivas,
oferecem riscos, como o de um aborto. Há outras operações ainda
mais delicadas. É o caso das intervenções para retirar excesso de
água do cérebro e aquelas feitas para consertar espinha bífida. Esses procedimentos já estão sendo feitos com sucesso por especialistas
da Unifesp, coordenados pelo cirurgião Moron. No entanto, os médicos ainda vêem com receio o uso das duas técnicas (para hidrocefalia e espinha bífida). “É preciso mais estudos sobre a eficácia dos métodos, pois são procedimentos arriscados”, comenta Eduardo Isfer, especialista em medicina fetal do laboratório Elkis e Furlanetto. Para aprofundar as pesquisas, o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos irá analisar mais de 100 casos de cirurgia de espinha bífida feitas em fetos. Afinal, a intenção da medicina fetal é oferecer à mãe e ao feto recursos seguros para a gravidez correr tranquila.
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