Depois do arrocho fiscal e dos juros altos, o governo Lula resolveu experimentar a mais suculenta iguaria do cardápio capitalista globalizado: o dinheiro do Fundo Monetário Internacional (FMI), que só é servido
com um punhado de regras e uma porção de técnicos a fiscalizá-las de três em três meses. As linhas gerais da refeição foram anunciadas na quarta-feira 5 pelo ministro da Fazenda, Antônio Palocci. Ao lado da
vice-diretora-gerente do FMI, Anne Krueger, ele informou que o Brasil pedirá US$ 14 bilhões para passar por 2004 sem sobressaltos. “Queremos só por mais um ano. Depois disso, nos separaremos”, anunciou Palocci, trocando sorrisos com Krueger. “Vou recomendar a aprovação”, avisou a executiva, que tem fama de durona.

O programa costurado entre o governo petista e o FMI não terá a esperada liberação para a gastança das estatais. Nem mesmo as metas sociais propagandeadas durante a semana. De novo mesmo, só a bolada de R$ 2,9 bilhões que estados e municípios poderão gastar em projetos de saneamento básico. O novo acordo é recheado de pura lógica financista. Leva em conta o fato de que o Brasil tem vencimentos de
US$ 40 bilhões em 2004. São dívidas que provavelmente serão roladas. Mas é bom não contar com a sorte. Movido pela precaução, o governo brasileiro foi à calculadora. Viu que receberá algo como US$ 12 bilhões em investimentos estrangeiros diretos e tem US$ 34 bilhões em reservas emprestadas pelo FMI exatamente para pagar os credores externos. Ou seja, há dinheiro de sobra para fechar as contas no ano que vem. Tecnicamente não há razão para o País recorrer ao FMI.

Tanto que o próprio Palocci avisou que pedirá o dinheiro, mas não o sacará. “Será como um seguro, um cheque especial. É bom ter, mas
não usar”, resumiu o ministro. Essa solução garante a confiança dos investidores estrangeiros sem gerar despesas com juros. O que está
por trás da decisão é o plano levado a ferro e fogo pela equipe econômica para derrubar os juros extras cobrados do Brasil no Exterior por causa da fama de país caloteiro. Atualmente, esses castigo, mais conhecido como risco-país, custa seis pontos porcentuais mais a taxa cobrada pelo Tesouro dos EUA. A idéia é cortá-lo a dois pontos porcentuais além da taxa americana até o fim do mandato.

Se conseguir a façanha, o Brasil entrará no clube dos países recomendados para investimento pelas agências internacionais de classificação de risco – só o Chile chegou lá entre os sul-americanos. O título abre ao País a carteira de fundos de pensão e de investimento bilionários nos EUA e na Europa, hoje proibidos de injetarem capital por aqui por causa da nota ruim dada pelas agências. É uma fonte potencial para financiamento de um novo milagre econômico – isto é, para taxas de crescimento acima de 5% ao ano. O custo da façanha é continuar controlando os gastos da máquina estatal.

O sacrifício de não gastar nem para fazer investimentos necessários consome mais e mais capital político do Palácio do Planalto. As queixas surgem de toda a base aliada. “Com esses levys e lisboas não vai dar”, reclama o líder do PPS, Roberto Freire (PE), referindo-se respectivamente aos secretários do Tesouro Nacional, Joaquim Levy, e de Política Econômica, Marcos Lisboa. De tanto ser questionado a respeito, o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (SP), resolveu se calar.

Até para fechar o acordo, o governo precisou de um ritual. Embora
tenha convidado a segunda executiva do FMI para a visita oficial em que o novo empréstimo foi selado desde o fim de outubro, o presidente Lula fez questão de manter a viagem à África. Assim, deixou ao vice José Alencar a tarefa de cumprir o protocolo e recebê-la no Palácio do Planalto. Além disso, Lula, informado a todo momento por Palocci sobre o avanço da negociação, falou do assunto num tom acima do normal durante a passagem pela África. Disse que não havia nada fechado e que o acordo só seria assinado em dezembro, o que é absolutamente correto segundo o trâmite normal do FMI. Depois do anúncio oficial, Palocci reuniu-se com a bancada petista. Foi pressionado à exaustão pelos companheiros. Discutiu-se soberania nacional, política econômica e coerência política sem sombra de consenso. No dia seguinte, 25 parlamentares (15 do PT) lançaram um manifesto contra o acordo.