Os policiais paulistas passaram os últimos dias às voltas com uma dramática inversão de papéis. Depois de mais de 30 ataques de criminosos armados – iniciada no domingo 2 – contra bases das polícias militar e civil, além da Guarda Municipal, os agentes da lei que agem como caçadores passaram à posição de caça. “Em 28 anos de corporação, nunca vi uma situação como essa, em que os bandidos correm atrás da
polícia”, lamenta o cabo Wilson Moraes, presidente da Associação
de Cabos e Soldados da PM. A ação dos marginais deixou o saldo
de três policiais mortos e 12 feridos. Na segunda-feira, o governo
paulista deslocou os PMs do serviço administrativo para reforçar a segurança da própria corporação e começou as investigações que levaram à prisão de 21 suspeitos. O secretário de Segurança Pública, Saulo de Castro Abreu Filho (leia entrevista à pág. 42), traduziu os ataques como represália ao duro regime imposto na cadeia aos líderes
da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). “Eles quiseram botar o Estado de joelhos e abrir um canal de negociação”, avalia. A forma coordenada como os atentados foram praticados, no entanto, deixaram as autoridades e a população muito mais preocupadas do
que Saulo Abreu deixa transparecer. O presidente Luiz Inácio Lula
da Silva, que visitava Moçambique, manifestou sua indignação: “Os bandidos estão desaforados.”

A primeira ação aconteceu às 2h40m da madrugada de domingo, quando quatro homens que ocupavam um Gol verde dispararam dez tiros contra uma base móvel da Polícia Militar estacionada no bairro da Consolação, ferindo um soldado. No mesmo dia, outros seis ataques foram efetuados e mais quatro na segunda-feira, matando três policiais. Nos dias seguintes, o tiro ao alvo continuou. Enquanto o governo paulista se desdobrava
para identificar os responsáveis, Saulo passou a ser criticado por afirmar que um dia antes dos atentados a polícia tinha ouvido um zunzunzum sobre a ação criminosa. “Se ele realmente sabia, tinha que ter preparado uma ação”, fuzilou o presidente da Associação de Cabos e Soldados da PM. O secretário disse ter tomado providências para garantir a segurança no Dia de Finados. “O alvo poderia ser a polícia ou os cemitérios, atingindo a população. Reforçamos o policiamento”, explicou.

A polícia atribuiu a série de ataques ao PCC, que no dia 29 tinha encaminhado uma lista de reivindicações às autoridades pedindo o abrandamento do regime adotado nos presídios de Presidente Bernardes, Avaré e Taubaté, onde os chefões do grupo estão custodiados. Da relação de pedidos constavam o restabelecimento da visita íntima,
duas horas de banho de sol diário, liberação de rádio, correspondência
e banho quente, além da reivindicação de alimentos como rocambole, água-de-coco, leite condensado, mostarda e catchup. “Não tem o
menor cabimento essa lista de exigências”, reagiu, naturalmente, o governador Geraldo Alckmin.

Para o coronel reformado da PM João Vicente da Silva Filho, que estuda a criminalidade em São Paulo e atua como consultor, os ataques tiveram o objetivo de chamar a atenção da opinião pública. “O PCC é uma espécie de holding, que recebe contribuições de vários tipos de criminosos. Quanto mais aparece e dá demonstrações de poder, mais arrecada”, acredita. Este ano mais de 100 policiais foram assassinados em São Paulo, segundo o cabo Moraes. Em meio à crise, o ministro-chefe da
Casa Civil, José Dirceu, anunciou a idéia de criar uma espécie de “czar antidrogas”, talvez para ocupar a Secretaria Nacional de Segurança Pública, vaga há três semanas com a saída do antropólogo Luiz Eduardo Soares. “A situação se agravou. Temos de agir”, ensaiou o ministro.

 

Saulo diz que ataques são “último suspiro”

O secretário de Segurança
Pública de São Paulo, Saulo de
Castro Abreu Filho, não crê que as ações do PCC sejam uma resposta
do crime organizado às recentes operações da Polícia Federal contra integrantes do Poder Judiciário e
seus próprios agentes.

ISTOÉ – A que o sr. atribui os ataques do PCC contra a polícia?
Saulo de Castro Abreu Filho –
É o último suspiro. Quando assumi, eles fizeram uma demonstração de força. Mostraram que tinham certa articulação e poder de comunicação. Em seguida, estavam se impondo pela força, degolando presos. O recado, passado no sábado via advogado a familiares, foi para que cada um no seu bairro fizesse uma graça, para colocar o Estado de joelhos e abrir um canal de negociação. Sabiam que a mídia iria glamourizar esse PCC, que ia mostrar o Estado falido, mas a estratégia não deu certo.

ISTOÉ – As ações não podem ser uma retaliação às investidas que atingiram até juízes?
Saulo –
Não sei, não pensei sob esse ângulo, porque o indicador
aqui no Estado é diferente. A PF tem uma atuação muito pífia no combate ao crime organizado. Agora, se a PF tivesse desbaratado
o contrabando de armas na fronteira, o narcotráfico, aí poderia ser uma ação tresloucada para tentar desestabilizar o Estado. Vejo
desta forma: o PCC perdeu vários pontos de drogas, perdeu no
roubo de carga, o roubo a banco caiu.

ISTOÉ – O ministro da Justiça e o sr. mesmo admitiram que a polícia sabia de possíveis ataques do PCC…
Saulo –
Tinha um zunzunzum e fui mal interpretado ao usar esta expressão. São 150 mil ligações/dia no 190, tem mais dez mil do disque-denúncia e checamos tudo. Havia um boato que iriam chamar a atenção no Dia de Finados.

ISTOÉ – Mesmo assim, puseram o bloco na rua.
Saulo –
Começou em alvos fáceis, como guarda municipal.
O mesmo Ômega que atacou a base de policiamento comunitário praticou mais dois atentados. Prendemos seis e temos mais seis identificados. Todos são primários com bons antecedentes. Eles obrigam familiares a cumprir ordens sob ameaça de matar um
parente em outro presídio.

Ana Carvalho