O cardápio apresentado nos últimos meses no sofisticado circuito gastronômico dos representantes do mercado financeiro nacional e internacional oferece variados pratos, todos com um ingrediente obrigatório: a eleição de 2006. Em 2002, o favoritismo do petista Lula sobre o tucano José Serra causava enjôos nesses endinheirados convivas. O sapo barbudo era intragável, mas acabou digerido diante do compromisso do PT de manter o ajuste fiscal. Hoje, ao apreciar o menu de 2006, a clientela financeira demonstra preferência justamente pelo presidente Lula, apesar das denúncias de corrupção no PT. Mas o apetite do mercado por Lula está condicionado à manutenção de sua suculenta política econômica ortodoxa. “Lula pode até subir no palanque abraçado com Hugo Chávez. O importante é que ele mantenha os fundamentos da atual política econômica”, disse um representante de um grande banco europeu há algumas semanas, durante uma reunião. O mercado quer um candidato que traga estabilidade. “Hoje Lula é uma certeza e Serra, uma grande dúvida”, diz o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini Barbosa, com mais de dez anos de experiência no mercado financeiro.

Mas Lula não é unanimidade, já que historicamente os tucanos tiveram a preferência de banqueiros. Eles estão preocupados com o enfraquecimento do ministro da Fazenda, Antônio Palocci, e com eventuais mudanças na economia que possam prejudicar seus investimentos. Apesar do descontentamento da indústria com a política econômica, Lula não deixa de receber elogios. Armando Monteiro Neto, presidente da Confederação Nacional da Indústria, tem aplaudido o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan: “Nunca tivemos espaço de interlocução com o governo como hoje. Conseguimos várias conquistas, mas ainda faltam ações para impulsionar o desenvolvimento, como completar as reformas tributária e Previdênciária, e iniciar a política”. Já Paulo Skaf, presidente da Fiesp, a federação das indústrias paulistas, vê com reservas as ações para estimular o crescimento industrial. “O Ministério do Furlan se dedica mais ao comércio exterior do que à indústria e ao desenvolvimento”, diz em conversas reservadas, ele que é um dos maiores críticos dos juros altos.

Atingido por denúncias, como irregularidades na gestão da Prefeitura de Ribeirão Preto, a oposição deixou de blindar Palocci e diz que vai convocá-lo para a CPI dos Bingos. Ao mesmo tempo, Palocci foi atacado pelo “bombardeio amigo” do PT e de boa parte do governo. A ministra-chefe da Casa Civil, a ex-guerrilheira Dilma Rousseff, metralhou seu plano de ajuste fiscal de longo prazo e aumentou o tom de voz contra a equipe econômica que segurava verbas para obras de infra-estrutura. Advertiu o presidente de que ele corre o risco de amargar investimento zero no ano que vem e de não ter obras para inaugurar na campanha. Irritado com o excesso do ajuste fiscal que já dá munições à oposição, Lula mandou acelerar o ritmo da execução orçamentária. Corre contra o relógio: o que tiver que ser mostrado no palanque deverá ficar pronto até junho, prazo que a lei eleitoral dá para participação de candidatos em inaugurações de obras. Os adversários já procuram colar em Lula a imagem de que favoreceu os banqueiros: em apenas dois anos e nove meses o lucro dos cinco maiores bancos do País supera em mais de R$ 5 bilhões o atingido nos oito anos do governo de FHC.

O próprio presidente alimentou a crise em casa, estimulando os tiros de Dilma em Palocci e liberando a retaliação. Lula não defendeu Palocci e na quinta-feira 17 ainda elogiou Dilma, posando a seu lado para fotos no Planalto. A um amigo, justificou-se: “Se somar todos os meus discursos, vão ver que fiz mais discursos a favor de Palocci e da equipe econômica. Ninguém pode ter dúvidas do que
quero.” O fato é que o presidente já está em campanha e quer sinalizar ao grande público que não tem olhos só para o setor especulativo, representado por Palocci, mas também para o produtivo, simbolizado por Dilma. Não é à toa que na sexta 18, confirmou, num ato falho, que será candidato e considerou as divergências entre os dois ministros saudável para a democracia. Na mesma ocasião, confirmou Palocci no cargo. Lula, no entanto, teme que parte de seu tradicional rebanho se desgarre e escalou o presidente do PT, Ricardo Berzoini, para reaglutinar os descontentes militantes do PT, dos movimentos sociais. Precisa atrair também a irritada classe média e parte dos setores produtivos. Para isso conta com os efeitos futuros da queda da taxa de juros no bolso do consumidor no segundo semestre do ano que vem, véspera da eleição.

Frigideira – O presidente acredita no apoio das classes mais pobres, com o Bolsa-Família. E ainda quer manter o mercado financeiro a seu lado. Para isso, vem repetindo o mantra: “Não farei mágica na economia.” Há um mês, em Portugal, ele garantiu a empresários que não tomará “qualquer medida que ponha em risco a solidez da economia”. No dia 2 de dezembro, Lula se reúne em São Paulo com grandes empresários e investidores. De olho no front externo, Palocci escalou o secretário do Tesouro, Joaquim Levy, para tranqüilizar investidores internacionais. Braço forte do controle das contas, Levy foi convidado para um cargo no Banco Mundial, mas só pensa em assumir o posto em 2006, após a poeira baixar. Se o fizesse antes, passaria a impressão de mais uma derrota para Palocci.

Chamuscado com o óleo quente da frigideira, Palocci mostrou sangue frio de médico e antecipou sua ida ao Senado para depor na Comissão de Assuntos Econômicos, na quarta-feira 16, e tentar acalmar o mercado. Endureceu ao rechaçar as denúncias e defender sua política econômica, mas não perdeu a ternura. Ele emparedou Lula e encurralou Dilma. “Penso diferente da ministra Dilma sobre o equilíbrio fiscal. Mas essa é uma questão da área econômica e vai continuar sendo feita”, decretou. E avisou que está no governo para cumprir a atual política econômica e não outra. Para o cientista político Carlos Mello, do Ibmec/SP, o ministro adquiriu muita autonomia. “O presidente precisa de Palocci para manter a confiança do mercado, mas não pode manter o ministro da forma como está. O ideal é ter um Palocci flexibilizado. Ele é o ponto de equilíbrio. Palocci é o máximo do mercado financeiro que o PT e o governo aceitam e é o máximo do PT que o mercado aceita”, analisou Mello.

Pedras na economia – Ao contrário de 2002, em 2006 tucanos serão pedras na vidraça da política econômica ortodoxa de Lula, plantada por FHC há dez anos. Analistas do mercado financeiro explicam que José Serra é considerado “osso duro de roer, muito auto-suficiente, difícil de convencer”. Desenvolvimentista, ele sempre divergiu dos monetaristas, aliados do mercado. Mas o prefeito de São Paulo está longe de ser um bicho-papão, já que é comprometido com a estabilidade econômica. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB) – que briga com Serra para ser candidato – não inspira desconfiança, mas ainda não é uma alternativa clara para os mercados. “Serra não é uma mudança radical. Não existe pavor do mercado, mas uma certa prevenção quanto a ele”, afirma Carlos Mello. Para o cientista político, se for candidato, o prefeito defenderá uma política econômica mais flexibilizada, podendo atrair votos de descontentes do PT: o tucano se prepara para entoar uma canção que o PT gostaria de ouvir sair da boca de Lula.