A prisão de Andrelisom dos Santos Oliveira, na segunda-feira 18, em Vitória da Conquista, na Bahia, está longe de desvendar a morte do prefeito de Santo André, Celso Daniel, assassinado em 20 de janeiro. No entanto, parte da polícia e do PT parecem estar satisfeitos com o desenrolar dos fatos que caminham para fechar o caso como um crime de motivação comum, ou seja: uma tentativa frustrada de sequestro-relâmpago, promovido por uma quadrilha da favela Pantanal, liderada por Ivan Rodrigues da Silva, conhecido como “O Monstro”, e Itamar Messias dos Santos, ainda foragidos, assim como o resto do bando. Andrelisom, conhecido pelo apelido de André Cara Seca, é um jovem de 22 anos, não tem antecedentes criminais registrados pela polícia e não admite ter participado do assassinato. Ele responsabilizou o irmão Rodolfo Rodrigo dos Santos Oliveira, o Bozinho, pelo crime. Informalmente, insinuou para os policiais que teria mais coisas envolvidas na morte do prefeito do que imaginam os responsáveis pela segurança pública do Estado e teme ser eliminado pelo que sabe. “Tem muita gente envolvida.” Cara Seca afirmou que o executor de Celso Daniel foi Ivan, o que teria sido confirmado por Quiti, 17 anos, que já está na Febem. O rapaz, também da favela Pantanal, teve como missão destruir a Blazer verde usada no sequestro. Cara Seca contou que não sabia que se tratava do prefeito. Quanto à decisão de liberar o empresário Sérgio Gomes da Silva, Cara Seca
disse: “Ele parecia um chauffeur (motorista).” Natural de Itabuna (BA), Cara Seca está em São Paulo há cinco anos. Antes de entrar para o bando de Ivan, teria trabalhado na construção civil e com perueiros da região de Diadema.

No xadrez policial, a motivação política foi posta de lado, o que aumenta as dúvidas e perguntas até agora não respondidas sobre a morte de Celso Daniel. A Polícia Federal, que desde o início trabalha com a hipótese de um crime de encomenda, por motivo político não partidário, vê com reservas a possibilidade de se fechar o caso como um crime comum. O deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh, que acompanha as investigações em nome do PT, deixou a PF na terça-feira 19 convencido de que Daniel foi vítima da criminalidade urbana. O mesmo Greenhalgh, que defendia a tese de uma conspiração contra o PT, rendeu-se: “Eu nunca vi um nível de articulação como o que foi adquirido pela polícia nessa investigação. Antes, elas estavam compartimentadas e hoje as polícias, estadual e federal, dão uma demonstração de um trabalho coletivo. A prisão desse rapaz é o começo do fim do caso Celso Daniel.” As declarações do advogado não impediram a realização de dois atos cobrando mais agilidade da polícia. Na quarta-feira 20, quatro mil pessoas participaram de uma passeata – do Paço Municipal até a Catedral Nossa Senhora do Carmo, no centro de Santo André – em memória de Celso Daniel. Na quinta-feira 21, foi a vez de o vice-líder do PT na Câmara, Professor Luizinho, reunir dezenas de militantes em frente à Secretaria de Segurança para um ato público. Pela manhã, deputados e prefeitos estiveram com o governador Geraldo Alckmin pedindo agilização nas investigações e criticando o trabalho da polícia, que transformou os amigos e colaboradores de Daniel em suspeitos do crime, ainda que materialidade alguma fosse comprovada.

que a polícia revela sobre o assassinato de Daniel é muito pouco para fechar a questão em crime comum. As relações dele dentro e fora da Prefeitura de Santo André foram vasculhadas. Contratos públicos, fundo de campanha e até telefonemas estão sendo investigados. Cerca de 100 depoimentos foram tomados. A maioria relacionada à pessoas do círculo de Celso Daniel. O inquérito já tem 200 páginas, sete retratos falados, cinco fotos e uma carta de Mauro Sérgio Santos de Souza para Itamar citando os integrantes da quadrilha pelo apelido. Na carta datada em dezembro de 2000, um mês antes do sequestro, ele chama Itamar de patrão. A senha de que o crime poderia estar fora da característica política foi o encontro da Blazer verde usada no sequestro e o recibo do seguro-saúde do prefeito, ambos achados em um suposto cativeiro na favela Pantanal. A polícia acredita que o recibo da Sul América teria sido plantado no local. Os peritos compararam fotografias feitas antes e durante a localização do recibo. Na primeira foto, após acharem a Blazer, ficou evidente que o papel com o nome do prefeito não estava no local. A polícia não sabe o motivo da plantação: se para ajudar no caso ou para confundir e afastar as investigações dos verdadeiros criminosos.

Para a PF, o cativeiro em que Daniel foi mantido não é o da favela Pantanal, mas um endereço não revelado na favela de Americanópolis, também na zona sul de São Paulo. A suspeita se deve a um telefonema da PM para o celular de Daniel logo após o sequestro. A ligação não foi atendida, mas o rastreamento apontou que a localização do celular no momento da chamada não era a favela Pantanal. A PF tem outras dúvidas: o local no Pantanal era muito movimentado e não tinha infra-estrutura para abrigar um sequestrado. Outro fato intriga a PF. Daniel foi encontrado com a cueca vestida do lado avesso. Tratava-se de uma peça aparentemente nova e absolutamente limpa. O fato vai de encontro ao laudo dos legistas. Ele teria tido problemas intestinais durante a ação dos marginais. Com isso, cresce a suspeita de que houve troca de roupa antes da execução.

Ainda que os bandidos que mataram o prefeito pertençam a uma quadrilha conhecida pela prática de crimes comuns, não pode ser descartada a hipótese de Daniel ter sido vítima de um crime de encomenda. Não é novidade que também no crime, terceirizar virou um grande negócio, que ajuda, e muito, a esconder um possível mandante. Boatos é o que não faltam. A polícia chegou a ventilar que existia um plano para pôr as mãos no bando de Ivan e entregá-los mortos à sociedade. Isso resolveria alguns problemas: queimariam-se arquivos valiosos, minimizariam as críticas que recaem sobre a polícia, ao mesmo tempo que seriam revelados os matadores.

Até mesmo as ameaças feitas pela Frente de Ação Revolucionária Brasileira (Farb) a prefeitos e deputados do PT foram afastadas do campo político. O Instituto de Criminalística entregou à PF de Santos, na quinta-feira 21, laudo que comprova que e-mails partiram de Santos, do computador do carcereiro Edson Simões Amparo, 50 anos. O delegado Executivo da PF de Santos, Cássio Luís Guimarães Nogueira, ressaltou que do computador de Amparo saíram ameaças eletrônicas para o deputado federal José Genoíno (PT-SP), para a senadora Heloísa Helena (PT-AL) e para o deputado Aloísio Mercadante (PT-SP), entre outros. Mas, para o policial, elas não representam perigo ao destinatário. A Farb reivindicou a autoria do assassinato do prefeito de Campinas, o Toninho do PT, ocorrido em setembro. O sequestro e a morte de Celso Daniel chegaram a ser atribuídos à suposta organização.

Mistérios

O que a polícia precisa responder

1 Se é verdade que Celso Daniel foi vítima de um crime comum, de sequestro-relâmpago, por que os sequestradores insistiram em abordar um carro que estava em fuga, cuja blindagem resistiu a vários disparos?

2 Se o crime foi comum, por que os bandidos simplesmente largaram o empresário Sérgio Gomes?

3 Sérgio disse que chegou a pegar a arma quando os bandidos renderam o prefeito. Por que não atiraram nele?

4 Sérgio disse que Daniel usava uma calça de sarja bege. O corpo foi encontrado com uma calça jeans. Houve de fato a troca da roupa do prefeito?

5 Se não houve a troca da roupa, por que a confusão?

6 O secretário de Negócios Municipais, André Klinger, e a namorada de Celso, Ivone de Santana, dizem que foram à casa do prefeito para verificar se os sequestradores tinham ligado. Por que então ficaram apenas poucos minutos no apartamento, sem montar um plantão para a hipótese de um contato dos criminosos?

7 Se foi um sequestro comum, por que não pediram resgate e resolveram matar o prefeito?

8 Por que o boleto de cobrança do plano de saúde do prefeito só foi encontrado na segunda vez que a polícia esteve no suposto cativeiro?

9 Por que a Blazer usada na abordagem ao carro de Sérgio só foi identificada mais de uma semana depois de ser localizada?

10 Se o caso caminha para um crime comum, por que continuar a investigar os amigos e a Prefeitura de Santo André?

11 Por que o advogado e deputado do PT Eduardo Greenhalgh mudou da tese do crime político para o comum, uma vez que a polícia tem poucas provas sobre a autoria e a motivação do crime?