27/02/2002 - 10:00
Principal articulador da candidata do PFL, Roseana Sarney, o senador José Sarney, do PMDB do Amapá, almoçou com o deputado Michel Temer, presidente de seu partido, na quarta-feira 20. Escolheram um badalado restaurante de Brasília, vazaram o encontro e fizeram questão de posar para fotos. Tudo para provocar ciúmes no ministro da Saúde, José Serra, que no dia seguinte deixou o cargo para se lançar candidato do PSDB à Presidência. Serra disputa com Roseana quem selará o casamento com o PMDB nas eleições. Temer, no papel de noivo desconfiado, perguntou a Sarney se não havia hipótese de Roseana desistir de sua candidatura. “Ela é candidata e não haverá recuo. Queremos o PMDB agora”, respondeu Sarney. Temer insistiu: “Mas, e se o Serra desistir? O PFL se acerta com o PSDB e nós ficamos de fora!” Foi a deixa para o pai da governadora do Maranhão revelar que a guerra entre o PFL e o PSDB já está declarada: “Os tucanos plantaram muita coisa contra Roseana. As ofensas machucaram. Não haverá mais acordo com o PSDB.”
Tratando-se do PFL, do PMDB e do PSDB, não dá para dizer que uma trégua é impossível. Os três partidos passaram os sete anos do governo Fernando Henrique entre tapas e beijos. Mas nunca as ofensas de bastidores tornaram-se tão intensas como agora. E um novo ingrediente promete colocar mais pólvora na artilharia, pelo menos até 3 de março, quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) terá de responder a uma consulta feita pelo PDT: “Se um partido fechar uma determinada coligação para presidente, pode fazer alianças diferentes nos Estados para governador, senadores e deputados?” Caso a resposta seja negativa, todas as negociações políticas, ainda que preliminares, serão zeradas e o maior beneficiário será o candidato do governo, José Serra. O PFL, por exemplo, que conta com alianças com o PMDB e até com o PSDB nos Estados para fazer bancada, terá de desfazer os acordos. No caso de Serra ganhar o apoio do PMDB por causa da decisão do TSE, o PFL ficaria sozinho. Seria um duro golpe. “O Serra está por trás disso. Temos informação de que ele está se articulando com o TSE”, denuncia o prefeito do Rio de Janeiro, Cesar Maia, um dos coordenadores da campanha de Roseana.
“Molecagem” – Quando falam em articulação de Serra com o TSE, os pefelistas lembram a grande amizade entre o ex-ministro da Saúde e o presidente do Tribunal, Nelson Jobim, que foi ministro da Justiça de FHC. Mais. Lembram que quem formulou a consulta ao TSE foi o líder do PDT na Câmara, Miro Teixeira (RJ), também muito amigo de Serra e de Jobim. “Estão querendo passar a patrola (o trator)”, protesta o vice-líder do PFL, Pauderney Avelino (AM). “É golpe, molecagem, coisa do Fernando Henrique para favorecer o Serra”, acusa o presidente do PL, deputado Valdemar Costa Neto (SP).
Miro, no entanto, se defende. Lembra que fez a consulta ao TSE em agosto do ano passado e que seu partido sempre condenou a farra das coligações. Em 1998 não houve obrigatoriedade de as alianças estaduais seguirem os acordos costurados pelos partidos para eleger o presidente da República. “Não entendo por que isso agora. É impatriótico, desarticula tudo. Não dá para visualizar o que se pretende”, protesta com veemência José Sarney. O PSDB garante que não tem nada com isso. “Essa consulta é do PDT”, argumenta o líder dos tucanos na Câmara, Jutahy Magalhães (BA). Os líderes da maioria dos partidos se articularam para pressionar o TSE a derrubar as mudanças da regra do jogo a sete meses da eleição. Uma caravana de senadores se dirigiu à Justiça para protestar. A conversa com Nelson Jobim foi dura. “Mudar agora seria o caos, desastroso. Não é democrático”, protestou o presidente do Senado, Ramez Tebet (PMDB-MS). Mas Jobim deu a entender que a mudança seria aprovada pelo TSE e sugeriu que os líderes convencessem o autor da consulta a retirá-la. “Não retiro nada. E não há mudança na regra do jogo. O problema é que, antes, ninguém provocava o TSE. Eu tropecei num lençol e acabei revelando a promiscuidade que ele escondia”, defende-se Miro.
“Presidengue” – E como encrenca pouca é bobagem, o PFL e o PSDB também resolveram brigar dentro do governo. O ministro da Previdência, Roberto Brandt, eleito deputado pelo PFL-MG, ameaçou deixar o Ministério antes do prazo legal. É que ele foi surpreendido pela Rede Globo com uma notícia, que chegou a ser confirmada pelo Planalto, segundo a qual seria substituído no cargo pelo atual secretário da Receita Federal, Everardo Maciel. O presidente do PFL, Jorge Bornhausen, foi pessoalmente reclamar com FHC. O presidente disse nada ter decidido sobre Everardo. Mas o PFL não acreditou. Manteve a estratégia traçada em reunião da Executiva na segunda-feira 18: logo que Serra deixasse o Ministério, os pefelistas começariam o ataque direto. “Vamos mostrar quem é esse candidato a presidengue”, anuncia o deputado Rodrigo Maia (PFL-RJ), atribuindo a Serra a culpa pela proliferação da dengue.
Na quinta-feira 21, o ministro se despediu do cargo com uma pompa incomum e com direito a transmissão ao vivo pela emissora estatal de tevê, Radiobrás. Serra chorou durante o discurso de despedida, fez um balanço positivo de sua gestão e disse que a proliferação da dengue é uma responsabilidade de todos. “O mosquito não é federal, nem estadual, nem municipal”, se isentou. Naquele mesmo instante, no principal salão de acesso ao Congresso, foi montada uma exposição com 65 fotos sobre a saúde no Brasil. São flagrantes do mau atendimento hospitalar em sete Estados e que provocaram um grande tumulto no Senado. O líder do PSDB, Geraldo Melo (RN), acusou o golpe. Disse que a exposição – chamada “A Saúde que só o povo conhece” – foi montada pelo PFL. Ele exigiu que o primeiro-secretário, senador Carlos Wilson (PPS-PE), retirasse imediatamente as fotos do salão negro do Congresso, mas Carlos Wilson se recusou. O organizador da exposição, jornalista Mino Pedrosa, da agência Free Press, contesta as afirmações do tucano Geraldo Melo: “O trabalho foi encomendado por um laboratório. Não tem nenhuma vinculação partidária. Se há, desconheço. É um trabalho profissional.”
Escaramuças – No olho do furacão eleitoral, o PMDB caminha para uma implosão inevitável. A ala ligada ao governador de Minas, Itamar Franco, conseguiu as assinaturas para garantir as prévias, abortada pela cúpula governista. Em uma reunião em São Paulo, no começo da semana, os itamaristas desancaram os caciques do PMDB. “Estão querendo vender o partido”, acusou o ex-presidente da legenda Paes de Andrade (CE). Os capos do PMDB, que não apostam um centavo na candidatura própria, alimentam as conversas tanto com Roseana quanto com Serra. Logo depois do almoço com Sarney, Temer recebeu uma ansiosa ligação de Serra. Disse que gostaria de conversar mais com o PMDB ainda na quarta-feira. Os dois se encontraram secretamente na mesma noite e Serra reiterou o convite para que o PMDB indique o vice em sua chapa. Como Sarney, também descartou qualquer possibilidade de que o PSDB e o PFL venham a se entender novamente. A definição do PMDB só sairá depois, mas o pragmatismo habitual dos peemedebistas, por enquanto, vai empurrando o partido para os confortáveis números de Roseana nas pesquisas. Na quinta-feira 21, peemedebistas de peso se reuniram para tentar enquadrar o líder do partido na Câmara, Geddel Vieira Lima (BA), que se opõe a uma aliança com o PFL por causa da briga com ACM na Bahia. “Se estamos exigindo viabilidade eleitoral para o Simon e o Itamar, isso vale também para os outros”, resume o líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL), numa referência à estagnação de Serra nas pesquisas.
Também atrás do vice ideal, o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, jantou na última semana com os líderes evangélicos da Igreja Universal do Reino de Deus, que hoje controlam o PL do senador José Alencar (MG). Lula abriu a conversa antecipando os problemas que terá no PT por causa da aliança: “Não vim para discutir religião, mas política. Enfrento qualquer situação para ter a coligação.” Em seguida, reiterou o interesse de ter Alencar como vice e adiantou alguns pontos do programa de governo. Entre eles, negociar com o FMI maior elasticidade no pagamento dos serviços da dívida externa.
Exorcismo – Lula, que na última eleição era tratado nos cultos da Universal como “demônio”, prometeu aos líderes do PL que vai “dar casa à população carente”. O PL parece pouco preocupado com as promessas e quer o apoio do PT nos Estados para sobreviver. “Os candidatos da Igreja, com o Garotinho (PSB), fazem mais votos, mas eu sigo a decisão do partido”, afiançou o segundo homem na hierarquia da Universal, Bispo Rodrigues (PL-RJ).
Mesmo caindo nas pesquisas, o candidato do PPS, Ciro Gomes, também deu um passo importante para manter suas pretensões de chegar ao Planalto. Na quinta-feira 21, ele reuniu em Brasília as direções do PPS, PDT e PTB para declarar o apoio a sua candidatura. Tudo ficou na palavra. O PTB resistiu a assinar um documento formal da criação da “Frente Trabalhista Brasileira”. Mesmo sendo um acordo verbal, o líder do PTB, Roberto Jefferson (RJ), garante que o partido vai até o fim com Ciro. Mas todas essas negociações estão engessadas até o TSE decidir quais são as regras para as coligações.