05/11/2003 - 10:00
O retorno das cinzas de Napoleão Bonaparte a Paris, em dezembro de 1840, foi apoteótico. Acompanhada por milhares de pessoas, a cerimônia entrou para a história como uma espécie de consagração do mito. Morto no exílio 19 anos antes, o exímio estrategista havia vencido uma sucessão de batalhas e, com suas conquistas, mudado o mapa do mundo. A derrota sofrida em Waterloo, em 1815, não minara seu carisma diante dos antigos súditos. Às vésperas de completar dois séculos da coroação como o primeiro imperador da França, ele continua atraindo multidões. Nas últimas semanas, a mostra Napoleão, com 400 peças, entre obras de arte, objetos pessoais e armas, rememorou sua trajetória nos amplos salões do Museu de Arte Brasileiro (MAB), da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), em São Paulo.
Iniciativa cultural exemplar da Faap, a mostra, dividida em oito blocos,
da glória ao exílio, também marcou por inserir o Brasil na rota de influência de Napoleão. É que a expansão de seu império implicou a mudança da família real portuguesa – e da sede do governo – para o Rio de Janeiro. Aliado da Inglaterra, dom João e comitiva zarparam de Lisboa em 1807, quando os soldados de Napoleão já haviam cruzado a fronteira do país.
O núcleo brasileiro da exposição foi montado pela diretora do MAB, Maria Izabel Branco Ribeiro, com peças de diversas instituições, como o Museu Imperial de Petrópolis e a Biblioteca Nacional. Em Petrópolis, Maria Izabel encontrou até a carta na qual dom João reitera seu alinhamento com a Inglaterra. “Os franceses jamais haviam associado Napoleão ao Brasil. Nem mesmo Thierry Lentz”, comentou Maria Izabel, referindo-se ao curador da mostra, que é presidente da Fundação Napoleão, em Paris. “Mas ele adorou a idéia. Afinal, um museu de arte brasileira tem de
contar a história do Brasil.”
Um dos mais de 150 mil visitantes da exposição, o militar reformado José Roberto Moretti Guedes fez eco às palavras de Maria Izabel ao visitar o museu, acompanhado pela irmã, Helena, e o cunhado, Sílvio Crespo. Diante de um conjunto de 147 esculturas de chumbo pintadas a óleo, que reproduz a cena do retorno das cinzas de Napoleão, Guedes associou a figura do príncipe que puxava o cortejo à cidade onde mora, Joinville (SC). “Quando se casou, a princesa Francisca levou como dote algumas terras no Brasil, mas o príncipe de Joinville vendeu a propriedade para uma companhia alemã”, contou Guedes. “É por isso que Joinville recebeu nome francês, embora tenha colonização germânica.”
As possibilidades de exploração da mostra variavam muito, mesmo
porque envolvem cenários apurados e diversos recursos tecnológicos. “Existe uma tendência nos museus do mundo inteiro de usar cenários
nas montagens de exposição, como uma maneira de mediar a comunicação da obra com o público”, disse Maria Izabel. O público também se destacou pela variedade, graças ao acesso gratuito. Como
em outras exposições do museu, a participação de alunos de escolas públicas chegou a ser estimulada com transporte e lanche. Moradoras do bairro da Freguesia do Ó, em São Paulo, as adolescentes Cilmara Reis e Kamila Peres, estudantes do segundo ano do ensino médio, foram por conta própria. Depois de acompanhar a exposição de uma das 25 monitoras da mostra, as garotas refizeram todo o trajeto, acrescendo detalhes às informações que já haviam coletado. “É um trabalho para a aula de história, mas estamos adorando”, explicou Camila. “Pelo que a monitora contou, Napoleão era só um pouco maior que a gente”, acrescentou Cilmara, diante de um busto do imperador, feito por artista anônimo, em mármore branco.
Não é de hoje que o MAB vem arrastando multidões para suas salas. Nos últimos tempos, trabalhos expostos no museu chegaram até mesmo ao sambódromo. Foi o caso da mostra China: a arte imperial, a arte do cotidiano e a arte contemporânea, apresentada no segundo semestre do ano passado. Inspirados pela exposição, carnavalescos da escola de samba Águia de Ouro, de São Paulo, resolveram adotar o tema em seu desfile deste ano, adaptando imagens e referências. Entre outros detalhes, um símbolo oriental contra maus espíritos virou adereço para as saias da ala das baianas. A curiosa mescla entre a arte chinesa e a passarela do samba é tema de palestra neste último final de semana no México, em encontro do Conselho Internacional de Museus, instituição vinculada à Unesco.
No rastro de outras mostras do MAB, o talento brasileiro também vem sendo reconhecido por museólogos de renome internacional. Responsável pelas antiguidades egípcias do Museu do Louvre, em Paris, Christiane Ziegler se encantou com a réplica feita em São Paulo da tumba do artesão Sennedjem, encontrada no Vale dos Reis, no Egito. Criada para a exposição A arte do Egito no tempo dos faraós, a obra apresentada entre maio e junho de 2001 está atualmente exposta no Louvre. “Embora não seja tombada, virou uma peça de museu”, esclarece Maria Izabel. Por outro lado, a mostra Da antropologia a Brasília trouxe de volta a São Paulo, entre dezembro do ano passado e março último, a tela Abaporu, da modernista Tarsila do Amaral. Para o próximo ano, que começa com uma homenagem aos 450 anos da cidade de São Paulo, o museu prepara ainda uma superexposição de paleontologia. A idéia é valorizar os dinossauros nacionais, trazendo “ferinhas” da região do Crato, no Ceará.