27/02/2002 - 10:00
O juiz apita final do primeiro tempo. E agora? Vitalidade e energia diminuem, o nervosismo diante do placar aumenta, mas, se depender dos jogadores, muitos gols ainda levarão a torcida ao delírio. Chegar aos 40 anos – ou à metade da partida – pode acarretar mudanças significativas em certos hábitos, mas, ao contrário do que se imagina, pouco compromete a vida sexual da maioria das pessoas. Trocando em miúdos, quem alcança a meia-idade continua fazendo sexo e se preocupando com ele. Aliás, em proporções de causar inveja em muito jovem de 20 anos. Pelo menos foi esse o cenário apresentado em Londres, na quarta-feira 20, quando foi divulgado o Estudo Global sobre Atitudes e Comportamentos Sexuais promovido pela Pfizer, fabricante do Viagra. Foram ouvidos 26 mil homens e mulheres de 40 a 80 anos em 28 países, o que torna a pesquisa pioneira em relação à faixa etária e à abrangência. Os resultados não poderiam ser mais positivos para os brasileiros, campeões do mundo no quesito frequência. Enquanto 54% do total de entrevistados responderam fazer sexo pelo menos uma vez por semana, no Brasil – onde homens transam em média 3,3 vezes por semana e mulheres, 2,6 – o índice pula para 75%.
Os brasileiros também apresentaram alto grau de satisfação sexual, confirmada por 89% dos entrevistados, e dão mais importância ao sexo do que a maioria dos habitantes dos demais países: 91% o consideram essencial para manter o namoro ou o casamento. “Não sei o que os outros 9% têm na cabeça”, brinca o publicitário paulista Fernando Piccinini Jr., 41 anos. Casado há sete com a atriz Martha Mellinger, ele defende a teoria de que o sexo melhora com o tempo. “Aos 20, eu era capaz de transar até com uma bananeira. Hoje, entendo o sexo como uma celebração do amor. Respeito o desejo e o tempo da Martha e, por isso, conseguimos nos satisfazer, o que nem sempre acontece na juventude”, diz. Cinco anos mais velha, Martha considera a falta de relógio para o ato sexual uma das grandes vantagens da maturidade. “Transar não é um compromisso. Tem semanas que a gente faz sexo todos os dias e outras que passam batidas. Alguns dias eu espero o Fernando na porta e a gente faz amor ali mesmo, enlouquecidos. Outras vezes, fazer amor é apenas conversar durante o jantar”, diz.
Casais como Piccinini e Martha comprovam os resultados obtidos pela Pfizer. Imaginam-se velhinhos, sentados na cadeira de balanço, em plena atividade sexual. “O estudo mostrou que é natural haver desejo até o fim da vida”, comenta o epidemiologista Edson Duarte Moreira Jr., da Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz), responsável pela pesquisa no Brasil. “A queda no interesse sexual também foi menor aqui do que nos demais países”, lembra. No Brasil, 12% dos homens e 18% das mulheres admitiram ter sentido falta de desejo no ano passado, enquanto as médias mundiais foram de 15% e 27%, respectivamente. “Triste é notar que 40% dos homens apresentam alguma disfunção sexual após os 40”, alerta Moreira.
Diálogo – Desenvolvida pela fabricante do Viagra, a pesquisa mundial não poderia ignorar o assunto. “Não se pode negar o impacto que a atividade sexual exerce no bem-estar das pessoas. É tão importante quanto controlar a alimentação e fazer exercícios”, considera a terapeuta sexual australiana Rosie King, coordenadora do estudo em seu país. “Um dos objetivos da Pfizer foi incentivar o diálogo entre médicos e pacientes e quebrar alguns estigmas que envolvem a sexualidade das pessoas mais velhas”, diz. Concluiu-se, por exemplo, que apenas 20% da população acometida por algum tipo de disfunção sexual procura auxílio médico. Também são poucos os médicos que perguntam sobre a vida sexual dos pacientes nos exames de rotina.
Para sexólogos brasileiros, o aumento na expectativa de vida é um dos fatores responsáveis pela manutenção da atividade sexual após os 60. “Os homens não querem mais cuidar de passarinho nem as mulheres fazer tricô. Provavelmente, nossos avós também tinham vontade de manter uma vida sexual, mas eram impedidos pelo preconceito social”, comenta
o psiquiatra Moacir Costa, autor do livro A pílula do prazer. “Hoje, eles perceberam que a morte ainda está longe e não medem esforços para manter o pique. A prática crescente do divórcio e do casamento com parceiros mais novos também serve de incentivo”, considera ele. O empresário paulista Oscar Maroni, 51 anos, concorda. Depois de viver
27 anos com a mãe de seus quatro filhos, Maroni está solteiro desde 1998 e, há quatro meses, mora com a modelo catarinense Chelli Solack, 21. A diferença de idade não atrapalha. “Dos 40 anos para cá, vivo os melhores anos da minha vida sexual”, afirma. Empresário ligado ao
sexo – ele é dono da casa noturna Bahamas e diretor da revista masculina Penthouse –, Maroni diz que o ato sexual lhe dá mais prazer
do que qualquer outra coisa. “Assim como o provador de vinhos apura
seu paladar com o tempo, o homem também elabora sua atitude na
cama com o passar dos anos”, diz.
A socialite carioca Vera Loyola, 55 anos, debocha dos homens que, como Maroni, se relacionam com garotas que podiam ser suas filhas. “Conseguir sexo graças à rotatividade é fácil. O brasileiro é dos mais brochas. Precisa variar
de parceira e apela para meninas. Bom mesmo é o homem que permanece com uma única mulher por muito tempo”, diz. O comentário tem uma justificativa: Vera é casada há 23 anos com o empresário Pelino Bastos, 56, e se orgulha de manter com ele uma vida sexual saudável e prazerosa. “Prefiro qualidade do que quantidade.
Doce de coco é bom, mas, se comer muito, enjoa”, compara a socialite. Para a psicóloga Martha Murano, supervisora do programa de terceira idade do Instituto Kaplan de Sexualidade, de São Paulo, o convívio duradouro com o mesmo parceiro exige alguns cuidados. “O homem precisa se dar conta da perda do ritmo, ficar menos preocupado com o desempenho e mais com a afetividade”, explica ela. “E não adianta esperar uma ereção apenas com estímulos visuais. Após conviver
20 anos com a mesma mulher, o homem vai precisar de estímulos táteis, por exemplo, o que torna a mulher mais ativa na relação. Por outro lado, muitas mulheres que nunca tiveram orgasmo conseguem o primeiro
nessa fase”, diz.
Longevidade – Sentir satisfação após muitos anos de casamento faz de Vera Loyola uma felizarda. É esta a opinião da sexóloga carioca Regina Navarro Lins. “Casamento longo tende a transformar o casal em irmãos. As pessoas continuam juntas porque se amam, mas abrem mão da sexualidade para manter o pacto de fidelidade”, acredita. Não é a opinião da maioria dos entrevistados pela Pfizer nem do cartunista Miguel Paiva, criador do personagem Gatão de Meia Idade, para quem o amor acaba antes da atividade sexual. “Meu segundo casamento durou 15 anos e a gente nunca deixou de transar”, exemplifica. Solteiro após romper com a terceira mulher, Paiva, aos 52 anos, acredita que sua vida sexual melhorou nos últimos dez anos, independentemente da parceira com quem transa. “Fui eu que mudei. Acho que sexo bom é inversamente proporcional à idade. Casado ou solteiro, a gente se aprimora. Não fico mais ansioso para garantir um bom desempenho nem sinto a obrigação de transar toda vez que saio com uma mulher. Apesar de que, dos 35 aos 50, elas estão melhores do que nunca”, avalia. Esta certeza se reflete também em seus quadrinhos. “O Gatão de Meia Idade adora parceiras mais novas, mas nenhuma o surpreendeu tanto quanto uma na mesma faixa etária”, conta.
É bom lembrar que nunca a meia-idade esteve tão longa. Reposição hormonal e tratamentos contra a impotência contribuem para adiar o entardecer sexual e devolvem autoconfiança ao amante. “A preocupação do homem em se manter viril e a da mulher em ser desejada são traços culturais que não somem com a idade”, nota a psicóloga Martha Murano. A atriz Suzana Vieira,
55 anos, casada há 15 com o empresário Carson Gardeazabal, 37, concorda. “Gosto de me maquiar, de seduzir, fazer charme. Manter a
sensualidade é fundamental. Óbvio que havia mais furor no início
do nosso casamento, quando eu tinha 40 e ele vinte e poucos, mas
o importante é que não perdemos a paixão”, diz. Suzana vê com desconfiança o alto grau de satisfação sexual do brasileiro apontado
pela pesquisa da Pfizer (89%). “Se todo mundo casado estivesse satisfeito, não haveria amantes”, resume. É essa também a opinião
da psicóloga Carmita Abdo, coordenadora do Projeto Sexualidade do Hospital das Clínicas de São Paulo. “As pesquisas exageram. Acredito
que mais da metade dos brasileiros esteja insatisfeita”, arrisca. “Ter
uma frequência alta não significa que a transa seja boa todas as vezes, principalmente após os 50, quando o homem começa a perder a ereção rapidamente”, explica Carmita.
Aliados – É aí que entra a contribuição dos vaso-dilatadores. “O homem já pode contar com um aliado para quando o corpo estiver cansado. O próximo passo será vencer a vergonha de conversar com o médico sobre o assunto”, aponta o psiquiatra Moacir Costa. Enquanto a mulher discute sua vida sexual com o ginecologista, a maioria dos homens chega aos 50 sem nunca visitar um urologista. “Hoje, grande parte das receitas de Viagra é expedida por ginecologistas.
A mulher comenta sobre a disfunção erétil do marido e o profissional pede a ela que o traga na próxima consulta”, conta o ginecologista Luiz Roberto Zitron, de São Paulo. “Acredito que eles se acostumem logo com o Viagra, da mesma forma que as mulheres já estão familiarizadas com a reposição hormonal”, diz. Foi no consultório de Zitron, em São Paulo, que a carioca Sheila Levy conheceu a técnica que, mesmo após os 50, alivia os efeitos da menopausa e mantém a auto-estima e o bom-humor. Isso foi há mais ou menos cinco anos, na mesma época em que Sheila conheceu o atual namorado. Vaidosa, ela não gosta de declarar a idade e sorri ao confessar que já é avó. “Continuo com pique. O amadurecimento sexual nos torna seguras, confiantes. O mais importante para qualquer casal nessa faixa etária é não se acomodar”, diz Sheila, que adora dançar e gosta de ir ao motel de vez em quando. “O casal tem de reservar tempo para namorar e não pode abrir mão da fantasia e da criatividade”, justifica. Acima de tudo, é preciso querer. Mas quem não quer?