"Grito ao mundo inteiro, não quero dinheiro. Só quero amar, só quero amar…”.

Do alto-falante do grandioso salão do centro de exposições do Hotel Transamérica, em São Paulo, a voz de Tim Maia, cantando “Não quero dinheiro (Só quero amar”), soava exótica aos ouvidos brasileiros. Mas a maioria das 500 pessoas que deixavam o auditório, estrangeiros, não conhecia aquele vozeirão rouco. Já passava das 14h30 da quarta-feira 29, quando o ex-primeiro-ministro português António Guterres anunciara o fim do primeiro congresso da Internacional Socialista (IS) do século XXI, entidade que preside desde 1999. O nome da organização remete à I Internacional, nascida vermelha e integrada por revolucionários europeus do século XIX, que se emocionavam ao cantar seu antológico hino: “De pé, ó vítimas da fome! De pé, famélicos da terra!…”. Mas a IS de hoje, cor-de-rosa esmaecida, reza por uma cartilha que mistura conceitos da social-democracia com os do liberalismo.

No mundo globalizado, apavorado pelas guerras, terrorismo, fome, dominado pela arrogância e ferocidade dos países ricos na batalha do comércio internacional, a palavra de ordem é: “Pragmatistas de todo o mundo, uni-vos.” O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende seguir o lema para costurar a sua Internacional Petista. Ele e o “comitê central” do PT “transferiram” o governo do Planalto para o hotel em São Paulo, por dois dias. Lá, Lula exercitou sua política externa com políticos de vários países. Ao voltar para Brasília na quarta-feira 29, o presidente mostrou sua versatilidade, com o conservador primeiro-ministro da Espanha, José Maria Aznar, que o presenteou com o anúncio de seu apoio à pretensão do Brasil de ocupar uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU. Mas o PT também fez a sua diplomacia no XXII Congresso da Internacional Socialista. Seus principais dirigentes, encabeçados pelo presidente nacional do partido, José Genoino, conversaram com mais de 20 delegações estrangeiras. Marco Aurélio Garcia, assessor especial do presidente para assuntos internacionais, já começou a articular com os democratas americanos e por isso foi aos EUA, há duas semanas, para encontrar a senadora Hillary Clinton. “Não tem sentido falar do retorno da política, tema do encontro, sem falar dos EUA”, explicou o deputado federal Paulo Delgado (PT-MG).

Ciúmes – Os petistas dominaram a cena nos bastidores e no palco da IS. Além de Lula, discursaram dois ministros: José Dirceu, da Casa Civil, e Luís Dulci, secretário-geral da Presidência. O presidente do PT, José Genoino, os senadores Eduardo Suplicy e Aloízio Mercadante, além do deputado Paulo Delgado, também deram seus recados. Dirceu continuou sua guerra verbal com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ao lembrar que o Brasil “quebrou três vezes nos últimos oito anos”. Na quinta-feira 30, Dirceu resolveu pôr panos quentes e ligou para FHC. Mas aí foi a vez de Lula chutar o balde, acusando seus antecessores de “covardes” por não terem tido a “coragem de fazer o que precisava ser feito”. O congresso da IS começou, na segunda-feira 27, com um “parabéns a você”. Lula completava 58 anos – apesar de seu nascimento ter sido registrado em cartório no dia 6 – e comemorava um ano de vitória. Depois do discurso de abertura, Lula teve uma surpresa: um bolo de chocolate e morango, coberto com glacê. No palco, o símbolo da Internacional rosa não deixava dúvidas sobre seu perfil: é justamente a mão direita que segura a rosa. Os anfitriões petistas sorriam irônicos, ao serem perguntados sobre a ausência do hino oficial do movimento socialista de todo o mundo desde 1877, A Internacional. “Não sei por que não tocaram. Acho que eles não sabem a letra”, brincou um dirigente do PT, garantindo que ele sabia a letra de cor e salteado. O português António Guterres, do Partido Socialista, esclareceu que o antológico hino foi tocado para os participantes da IS, na noite de terça-feira 28, pela Banda Sinfônica do Estado, na sofisticada Sala São Paulo. O convite partiu, quem diria, de um tucano: o governador Geraldo Alckmin. O ex-governador Leonel Brizola, do PDT – único partido filiado à IS – chiou: “Preferia que, em lugar do parabéns, cantassem A Internacional”. O deputado federal Roberto Freire (PPS, que junto com o PSB e o PT participaram do encontro como observadores) também protestou: “É lamentável.” Brizola não perdeu a chance de lançar suas farpinhas. Lembrou que ajudou na aproximação do PT de Lula com a IS, por ter levado a prefeita Marta Suplicy a um dos congressos. “Espero ter colaborado inclusive com o atual casamento dela”, ironizou, referindo-se ao argentino Luís Favre, ponte do PT com os socialistas franceses.