05/11/2003 - 10:00
A CPI dos Combustíveis da Câmara chegou ao fim de seis meses de trabalho, na quarta-feira 29, com uma descoberta estarrecedora: a comissão estava adulterada. A poucos minutos do encerramento, o deputado Paulo Lima (PMDB-SP), que não integrava a CPI, fez uma aparição inesperada para explicar sua sociedade com um dos maiores fraudadores de combustíveis do País e botou fogo no plenário: “Se quiserem, eu digo os nomes dos deputados que foram a São Paulo achacar. Se quiserem me convocar, estou à disposição.” A oferta caiu no vazio. O relatório que investigou 30 mil postos, 400 distribuidoras e refinarias do País, onde se dissolvem anualmente cerca de R$ 15 bilhões em impostos sonegados, conseguiu o milagre de não indiciar ninguém.
O deputado Paulo Lima sabe o motivo: “Pelo menos dez deputados visitaram em São Paulo vários escritórios do setor – entre eles Áster Petróleo, Golfo, Apolo, Petroforte e Univen – para achacar. Alguns trataram com os advogados das empresas em nome de outros parlamentares. Deputados de todos os partidos”, acusou Lima à ISTOÉ, no corredor das comissões, minutos após seu desabafo na CPI. Todos os partidos, inclusive o PT? Lima apertou o braço do repórter, não contestou e avisou: “O resto, eu falo da tribuna da Câmara.” Levantamento junto à Justiça Eleitoral mostra que pelo menos 12 dos 23 deputados dos 11 partidos que integram a CPI tiveram suas campanhas aditivadas com fundos do setor de combustíveis. A má fama da comissão e de boa parte de seus integrantes ameaçou queimar a imagem da Casa: “Vamos acabar logo esta CPI porque ela está se transformando num balcão de negócios”, confidenciou o presidente da Casa, João Paulo Cunha, ao recusar a idéia de uma prorrogação dos trabalhos por mais seis meses.
O incêndio, de qualquer maneira, alastrou-se. Depois de renunciar à CPI na quarta-feira 29, indignado com o rumo do relatório, o deputado Luciano Zica (PT-SP) fez no dia seguinte uma representação pedindo a suspensão do relatório até que se investiguem as graves denúncias de Paulo Lima. O relator da CPI, Carlos Melles (PFL-MG), ex-ministro de Turismo do governo FHC, não precisou viajar muito para investigar o escândalo nacional da fraude dos combustíveis: descansada, a CPI fez apenas três diligências e outras três audiências públicas em outros Estados. Melles participou apenas da reunião doméstica em Belo Horizonte. A CPI ouviu 65 pessoas, quebrou o sigilo bancário de 23 – e não conseguiu indiciar ninguém. Nem mesmo o conspícuo Ari Natalino da Silva, dono do grupo Petroforte, que chegou à CPI desfraldando um prontuário de 72 processos na Justiça por fraude e sonegação. “Seria inócuo indiciar Natalino por crimes a que ele já responde nos tribunais”, justificou-se o sub-relator Eliseu Padilha (PMDB-RS), ex-ministro dos Transportes, na sessão final.
A CPI não achou culpados, mas identificou muitos crimes: sonegação fiscal, falsificação de documento público, simulação de exportação, adulteração de combustíveis e concorrência desleal, entre outros. A comissão também rastreou a compra simulada de usinas de álcool com o objetivo de lavar dinheiro e a importação ilegal de solvente que desaparece na empresa, o que levanta suspeitas mais graves, já que o produto também é utilizado no refino de cocaína. Até mesmo quando identificou suspeitos, como no caso da empresa Univen Petroquímica, autorizada a trabalhar com solvente, 13 membros apoiaram a emenda do deputado José Carlos Araújo (PFL-BA), que suprimiu a citação da empresa no relatório final. A Petrobras também era citada no relatório de Melles, mas seu nome se evaporou no texto. Não foram apontados culpados nem mesmo com a constatação de que várias empresas mudavam a razão social para melhor burlar a fiscalização da ANP e da Receita Federal. A Áster, citada pelo deputado Paulo Lima como uma das corruptoras de parlamentares da CPI, chegou a adicionar certidões frias em sua papelada. Diante de tanta turbulência, mudou a química para sua administração: escolheu para dirigi-la, nos próximos dias, o ex-presidente da TAM Daniel Mandelli Martin. O incêndio, que já é grande, pode se ampliar se a Câmara resolver investigar a pureza da CPI.