A base aérea de Cumbica, em Guarulhos, foi palco de uma movimentação diferente no começo da quinta-feira 30. Desembarcados de pequenas aeronaves chegadas de Brasília, policiais federais encontraram-se com colegas que chegavam em vôos comerciais de outras partes do Brasil. Somavam 100 homens
– incluindo 20 do grupo de elite Comando de Operações Táticas – quando partiram para 15 diferentes endereços em São Paulo. O dia já havia clareado quando, com base em autorização judicial, parte desses homens arrombou a porta do apartamento do juiz federal João Carlos da Rocha Mattos, num elegante prédio do bairro de Higienópolis. Era o começo de uma operação batizada como Anaconda, uma referência à cobra que costuma atacar de surpresa nas margens dos grandes rios, abocanhando suas vítimas pela cabeça. No final da tarde, três juízes federais estavam sob suspeita de práticas criminosas; oito pessoas presas, inclusive dois delegados e um agente federal; e 1,5 mil quilos de material apreendido, entre correspondências, agendas, documentos e computadores. A polícia prendeu ainda a auditora aposentada Norma Cunha, ex-mulher do juiz Rocha Mattos. No apartamento de Norma foram apreendidos pelo menos US$ 550 mil. Em outros endereços, oito carros e duas motos Harley-Davidson também acabaram apreendidos.

Depois de mais de um ano de investigações sigilosas, a Procuradoria da República está acusando Rocha Mattos de integrar um suposto esquema de corrupção passiva, formação de quadrilha, prevaricação, facilitação de contrabando e lavagem de dinheiro. Além disso, o juiz faria intermediação e tráfico de influência na emissão de sentenças. “Não faço a menor idéia do que está acontecendo”, garante Rocha Mattos.

Telefones monitorados – Os outros dois juízes federais envolvidos no episódio são os irmãos Casem e Ali Mazloum, mas a Justiça não autorizou o pedido de busca em suas casas. O juiz Casem está sendo acusado de tráfico de influência, falsidade ideológica e interceptação ilegal de telefone. Seu irmão Ali precisa responder por abuso de poder e ameaça. Ambos negam as acusações. “Meu irmão e eu renunciamos se comprovarem que praticamos qualquer ato ilegal”, diz Ali. “O procurador Silvio Luiz Martins de Oliveira, que costuma fabricar denúncia anônima em seu gabinete, está por trás dessa acusação”, afirma Casem. Procurado por ISTOÉ em seu gabinete, o procurador não foi localizado.

Todos os acusados terão 15 dias para se defender depois que forem notificados pela Justiça. As investigações da Polícia Federal tiveram como ponto de partida uma denúncia anônima em Alagoas, há quase dois anos. A pedido da Procuradoria da República, 181 linhas telefônicas foram monitoradas, com autorização judicial, desde dezembro do ano passado. A análise de mais de mil horas de conversação culminou na denúncia feita pela Procuradoria da República e na megaoperação realizada em São Paulo. Além de Norma Cunha e dos delegados federais José Augusto Bellini e Jorge Luiz Bezerra da Silva, o último aposentado, foram presos o agente da PF César Herman Rodriguez, três advogados e o dono de um escritório no conhecido Edifício Itália, no centro da cidade. Com a mesma rapidez com que desembarcou, a força-tarefa encerrou suas operações em São Paulo, levando para a sede da polícia em Brasília os 1,5 mil quilos de possíveis provas. Agora começa a fase de cruzamento de informações de um esquema de corrupção que está sendo considerado emblemático pela Procuradoria da República. Embora não exista estimativa do tempo que vão durar as investigações, espera-se que não se espelhem no desempenho da anaconda. O problema da cobra escolhida pelos federais para batizar a operação é que ela se move de forma muito lenta. Só é eficaz na base da surpresa. Se é percebida, a potencial presa escapa com relativa tranquilidade.