08/01/2003 - 10:00
Pelo tamanho do biquíni, pelo tipo de esporte praticado ou pelas mercadorias dos vendedores ambulantes não é difícil identificar o ano das imagens nas praias de Copacabana e Ipanema. As próprias crônicas são testemunhos de época, apontando a estação mais ansiada da Cidade Maravilhosa. O saboroso livro Todos os verões do Rio (Editora Arte e Ensaio, 152 págs., R$ 28), organizado pelo historiador, escritor e diretor de televisão João Alegria, não traça apenas um panorama sociocultural das areias cariocas. Também sublinha sua imbatível vocação para lançar modismos. Reunindo autores como Carlos Drummond de Andrade, Manoel Bandeira e Rubem Braga, a obra lembra momentos antológicos, entre eles o verão das dunas da Gal – referência ao local em que, na década de 70, Gal Costa ficava horas olhando calada o horizonte –, o do fio dental, o da tanga lilás de Fernando Gabeira ao voltar do exílio e o da amizade colorida, atualizada hoje pelo verbo ficar.
Através de centenas de fotos de arquivo, o leitor passeia por um charmoso balneário cuja história começa em 1886 com a “descoberta”
da praia de Copacabana. Até então, os cariocas só frequentavam
a Gamboa e São Cristóvão. No início, Copacabana era um paraíso fechado, com ricas casas de veraneio. Só que ninguém ia à praia temendo perdera cor branca-européia e assim ser confundido com
um mulato. Até que a diva francesa Sarah Bernhardt não só se
sentou na areia como caiu no mar, fazendo o ato logo virar moda.
A exclusividade dos abastados começou a ser ameaçada em 1891 com a inauguração de um túnel ligando Botafogo a Copacabana, que abriu caminho para a invasão da classe média. Quem conta a história é o cronista Carlos Eduardo Novaes, que enriquece seu texto com casos deliciosos. Mais adiante, descobre-se que a toalha de praia surgiu em 1902, levada pelo barbeiro inglês Wallace Green. O primeiro vendedor de toalhas era um português, José Rosas. Oito anos depois, alguém armou o primeiro guarda-sol. Em seguida vieram os óculos escuros. O jornalista Barbosa Lima Sobrinho conta que as lentes eram tão escuras e de tão péssima qualidade que não raro os banhistas se estatelavam no asfalto da Avenida Atlântica. Por volta de 1920, para se distinguir das pobres, as ricas começaram a usar jóias em seus banhos de sol e de mar. Em janeiro de 1922, madame Alda Pharoux caiu na água com tantos adereços que nunca voltou à tona.
Novaes relata ainda que em 1928 apareceu um sujeito com uma tábua de passar roupa adaptada, fazendo diabruras sobre as ondas. O pobre coitado, precursor do surfe, foi preso, processado e acabou no hospício. Quanto aos primeiros vendedores de limãozinho, apareceram em 1938. Eram franceses foragidos da Legião Estrangeira, craques em andar nas areias quentes do Saara. O texto não diz, mas quem hoje for à praia vai ouvir os ambulantes alardeando seus produtos: Ice-tea, Guaraviton e Coca-Cola. Sinal dos tempos globalizados.
Na década de 70, Copacabana perdeu o glamour herdado por Ipanema.
O biquíni foi ficando cada vez mais exíguo até virar o fio dental, moda exportada para o mundo inteiro. Em matéria de comportamento, Luís Carlos Maciel, o então guru da contracultura, deu dicas de sobrevivência num irônico artigo escrito no final dos anos 60. “Você deve se referir à maconha como se fosse Coca-Cola, tratando-a de fumo, para revelar
seu grau de intimidade. E procure deixar no ar que a maconha é até um troço meio devagar, que você já está em outra, na sua, e que a sua tem a ver com ácido. Não dirija a palavra a quem não perceber que ácido é LSD.” Pelo jeito, Maciel queria fazer a cabeça da moçada da Montenegro, rua referência de costumes, agora rebatizada de Vinicius de Moraes. É claro que à época ninguém imaginava como o consumo de drogas alimentaria o poder paralelo que passou a infernizar o Rio de Janeiro.
O tema de Todos os verões do Rio ainda desemboca em dois outros tipos de modismo de estação. Assim aconteceu com o verão da lata, em 1987, quando toneladas de latas de maconha surgiram nas praias do Rio, lançadas pelo barco Solana Star como forma de escapar da polícia marítima. Depois veio o verão do apito, em 1994, forma que a turma do Posto 9 – ponto ainda invicto da vanguarda ipanemense – inventou para avisar a aproximação da polícia, atraída pelo cheiro da Cannabis sativa.
Da mesma maneira que a classe média roubou a cena dos ricos de Copacabana, o subúrbio também invadiu as areias agitadas de Ipanema
a partir dos anos 80, criando uma nova pororoca. Em 1984, o jornalista Sérgio Augusto observou bem o fenômeno. “O mínimo que (os ipanemenses) dizem a respeito dos usuários do (ônibus) 461 é que são feios, sem classe, sem educação e estariam poluindo a paisagem.” Hoje,
a via expressa Linha Amarela transferiu este povo todo para a Barra
da Tijuca, desdenhada por Carlos Drummond de Andrade na década
de 80. “Continuo fiel ao verão clássico, do Leme ao Leblon, único patenteado”, sentenciou o falecido poeta maior.