13/02/2002 - 10:00
O Alasca é o hábitat de focas, pinguins, leões-marinhos, marmotas e muitos pássaros. Entre as aves que habitam suas geleiras estão 214 espécies de maçaricos, animais acinzentados que ficam alaranjados no período da reprodução, medem 12 centímetros, pesam 31 gramas e desconhecem fronteiras. A vida para eles não dura mais que seis anos e é uma viagem: todos os anos, eles partem do Ártico e vão até a Patagônia, na Argentina, incluindo no percurso o Brasil e o Chile. Essas espécies migratórias se deslocam entre os hemisférios Norte e Sul do continente americano em busca de sol, água e, principalmente, comida. Voam à velocidade média de 100 km/h e demoram cerca de 13 dias para chegar do Alasca ao extremo da América do Sul.
Os maçaricos se reproduzem no Alasca e no Canadá em junho e julho, durante o verão do Hemisfério Norte. De outubro a março, eles debandam para baixo da linha do Equador e fazem pouso no Brasil. Contabilizam 24 mil quilômetro voados, entre ida e volta. Os grupos são tão numerosos que os radares americanos detectam sua passagem. Sua trajetória, sempre pela costa litorânea, continua pela Patagônia e Terra do Fogo, no Chile. Ali, no extremo sul do continente, as aves enfrentam um frio de dez graus negativos e rajadas de vento de até 120 km/h. Depois, elas sobem para o Canadá e voltam para casa, no Alasca, onde permanecem apenas quatro meses.
Os pássaros chegam ao Brasil trocando as penas desgastadas pelo impacto do vôo. Por aqui eles bebem a água dos rios e se alimentam de minhocas, moluscos, pequenos crustáceos e insetos. Em sua segunda expedição no Maranhão, uma equipe de biólogos e técnicos observou durante uma semana o deslocamento desses pássaros. Em bandos, eles tomaram Coroa dos Ovos, ilha deserta a 260 km de São Luís. Na área de proteção ambiental composta por 12 municípios, os maçaricos convivem, em contínuos manguezais, com garças, socós, biguás e raros guarás de plumagem vermelho-sangue. Para acompanhar de perto os animais, os profissionais prendem em suas patas uma espécie de anel que serve como registro de identificação. “A anilha é a carteira de identidade deles e serve para estudarmos sua rota”, explica o biólogo Wallace Júnior. Em cada país por onde passam, eles recebem um anel de cor diferente. Basta um olhar para os pesquisadores saberem qual o percurso da ave. O anel azul é brasileiro; o branco, canadense; o amarelo, peruano; e o vermelho indica que a ave passou pelo Chile.
“Com a continuação sistemática das pesquisas, é possível diagnosticar o estado de conservação dos ecossistemas pelos quais os maçaricos passam”, avalia Inês de Lima Nascimento, coordenadora da expedição do Centro de Pesquisa para a Conservação das Aves Silvestres do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama). Há maçaricos em todo o litoral brasileiro. A maior concentração, no entanto, está no Maranhão e no Parque Nacional da Lagoa do Peixe, no Rio Grande do Sul. Este ano será feito um censo em torno de 700 km de praias gaúchas. O trabalho começará em Torres, na divisa entre Rio Grande do Sul e Santa Catarina, e irá até o Chuí, fronteira do Brasil com o Uruguai. A contagem ficará restrita a uma das variações da espécie, a Calidris canutus, que está diminuindo. Para explicar essa redução, há várias hipóteses, entre elas a ação de seu maior predador: o ser humano.