O governador da Flórida, Jeb Bush, irmão do presidente americano George W. Bush, está no epicentro de uma polêmica constitucional sobre a eutanásia, ou o direito de morrer. Depois de receber uma avalanche de 27 mil e-mails, o governador resolveu intervir pessoalmente no caso da paciente que vive apenas com aparelhos, Terri Schindler-Schiavo. Em uma carta ao juiz George W. Greer, Jeb Bush apelou para que Terri, 39
anos, continuasse a viver e recebesse um novo tubo de alimentação.
Há uma semana o aparelho, que a mantém viva desde 1990 havia sido desligado a pedido do marido, Michael Schiavo. Depois de anos em uma verdadeira batalha judicial, ele ganhou uma ação que permitiu o desligamento dos aparelhos com a alegação de que Terri teria lhe dito nunca desejar uma vida vegetativa. Ela teve uma parada cardíaca que provocou danos no cérebro.

Ao mesmo tempo, o governador levou o caso para a Assembléia Estadual, que decidiu, por maioria absoluta, aprovar uma lei contra a eutanásia em favor de Terri. Do ponto de vista legal, a pergunta que fica é se o Estado tem o poder de interferir quando uma decisão já havia sido tomada pelo Judiciário. “Os legisladores da Flórida não estão nem aí para a decisão do Judiciário. Isto só acontece porque houve uma intensa campanha do grupo conservador pró-vida. É uma questão política. E se alguém ganhar projeção política em questões como esta, estaremos politizando o direito à vida”, afirmou a ISTOÉ o professor de direito da Universidade de Harvard, Laurence Tribe. Ele considera que a decisão do Legislativo da Flórida é inconstitucional, porque “viola as decisões da Suprema Corte” americana. Em um caso de 1990, por exemplo, a instância máxima da Justiça americana decidiu autorizar a morte, caso haja “provas claras e convincentes” de que o paciente assim o deseje. “No caso de Terri, o Judiciário decidiu que havia provas suficientes de que ela queria morrer e isso não foi levado em conta”, disse Tribe. O professor de Harvard afirma que, se a Suprema Corte da Flórida não interferir, a nova lei irá prevalecer. “Estão jogando com este caso de vida ou morte como se fosse uma partida de futebol”, disse ele.

O governador Bush não apenas atropelou as decisões da Suprema
Corte americana como colocou o dedo na ferida de uma briga familiar. “Este caso representa o resultado inoportuno de um severo desacordo familiar. As emoções estão fortes, as acusações abundam”, admitiu o governador. Enquanto o marido de Terri defende a eutanásia, seus pais
e irmãos querem mantê-la viva à custa dos aparelhos. O pai dela, Bob Schindler, afirmou que sua filha estava “atenta e sensível” aos estímulos da família quando foram visitá-la no hospital. Ele conta que Terri os abraçou e os beijou. Mas os neurologistas alegam que pessoas em
estado vegetativo tendem a fazer gestos involuntários, como os
abraços recebidos pelo pai da paciente.

A interferência do governador em uma decisão do Judicário teria, neste momento, outras razões para ser feita. O gesto de Bush busca conquistar o apoio dos conservadores para as eleições do próximo ano. Ironicamente, o aparente apelo humanista pela vida de Terri soa contraditório em um Estado que pratica a pena de morte. Assim como o Texas, que teve como governador o presidente George W. Bush, a Flórida alcança índices no mínimo polêmicos sobre os condenados à pena capital. Segundo relatório publicado no Business Journal da Flórida em maio deste ano, o Estado lidera a lista de erros judiciais, com 25 casos de pena de morte até agora sem provas suficientes contra os acusados.