É aquela “solução” antiga de cobrir um santo para descobrir o outro. A inflação está caindo – ainda que você não tenha tido o “tempo econômico” para perceber isso nos supermercados –, mas a maldade da economia faz com que essa inflação que recuou, provocada principalmente pela queda de consumo, atinja a demanda das indústrias e, na última ponta, termine em demissões de seus empregados. É uma roda-viva que gira em toda a América Latina há pelo menos 20 anos, segundo estudo divulgado na última semana pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Se serve como consolo, o emprego industrial enfrenta crise em todo o mundo, mas no Brasil a situação é especialmente grave, como mostra outra pesquisa, esta feita pela empresa americana de investimentos Alliance Capital Management. Sua conclusão: o País perdeu 20% dos postos de trabalho no setor industrial entre 1995 e 2002. A pesquisa da Alliance analisa dados das 20 principais economias mundiais e estima que a indústria já perdeu um total de 22 milhões de empregos no período analisado – a queda média nos 20 países pesquisados é de 11%. O Relatório de Progresso Econômico e Social do BID revela que, a cada ano, um em cada quatro trabalhadores troca o emprego, índice de rotatividade de 25%. Um dos quadros da agência de desenvolvimento mostra que 31% dos trabalhadores brasileiros ganham menos de US$ 1 por dia, relação que dispara para 75% em Honduras, seguida de Bolívia (61%) e Nicarágua (55%). O Brasil ocupa a quarta colocação, o que não é uma honra, bem ao contrário. Outro quadro aponta que o mercado de trabalho na região foi desigual durante todos esses anos. A média de homens empregados na América Latina chega a 83,3% e a de mulheres fica em 47,6%.

Nas indústrias que carregam estoques dá para perceber o circuito do percurso do desemprego. Muitas empresas fortes em utilização de mão-de-obra escolheram o avanço tecnológico para incorporar produtividade, pressionar os custos e aumentar a eficiência. Produziram além do que a demanda previa e foram enganados (ou se enganaram) por análises. Some-se ao inevitável excesso da capacidade produtiva criada a crise econômica e estamos nas portas das fábricas, por onde cada casa dia entram menos e saem mais trabalhadores. O resultado final é implacável: enquanto o emprego caiu 11%, a produção avançou 30% – esquema que começou a florescer nos jardins da Casa da Dinda com a abertura desarvorada do não menos desarvorado Fernando Collor de Mello e ganhou estatura nos anos áureos de celebração do neoliberalismo e privatizações à moda fast food – rápidas, difíceis para digerir e fatais ao poder de negociação dos trabalhadores. Quem brindou, brindou. Quem não brindou, perdeu o emprego ou está recebendo menos por seu trabalho: a renda do trabalhador brasileiro nas seis maiores regiões metropolitanas do País caiu 14,6% em setembro na comparação com o mesmo mês do ano passado. No período de um ano, ele perdeu o equivalente a meio salário mínimo. Não bastasse, a indústria demitiu quase que de maneira generalizada no mês de setembro, segundo levantamento divulgado na quinta-feira 23, pela Fundação Seade/Dieese. O nível de ocupação caiu 5,7% no setor de alimentação, 4,4% na indústria química e de borracha, 1,3% em vestuário e têxtil e 0,5% na metal-mecânica. Apenas nos setores gráfico e de papel o nível de emprego subiu (3,7%), um presente encomendado por Papai Noel com a proximidade das festas de fim de ano.

 

O direito à preguiça

A semana de 35 horas de trabalho na França está dando confusão e não é para quem usufrui essa decisão como empregado. Os franceses têm mais tempo para flanar, arte que eles fazem com muita sabedoria. Quem pensa em renunciar à redução? Ninguém. Oitenta por cento dos assalariados em tempo integral que são empregados nas empresas de mais de dez pessoas trabalham menos de 36 horas por semana. A polêmica que faz barulho é o bloqueio da implantação das 35 horas nas empresas com menos de dez empregados. Setores empresariais não engoliram até hoje a lei Aubry, de 19 de janeiro de 2000, que implantou a semana de 35 horas. Um stress inútil alimentado principalmente por deputados e governadores de direita. Tem polêmica sim sobre a criação de empregos, mas os franceses, que sabem viver e brigar por seus direitos, não vão abrir mão dessa conquista.