14/03/2007 - 10:00
A internet tem razões que a própria razão desconhece. Por que sepaquera e se namora tanto atravésdela? Por que tanta gente, homem ou mulher, jovens e maduros, heterossexuais ou gays marcam encontros com quem conhecem apenas virtualmente? Por que tudo isso acontece numa sociedade onde cada vez mais vêm a público violências morais e físicas cometidas justamente nesses encontros a partir daquilo que os especialistas chamam de “namoro teclado”?
Uma resposta é óbvia: a internet é hoje a grande sedutora. Uma fria, impessoal, mas interessantee útil sedutora com todos os maravilhosos e indispensáveis serviços que oferece, e não poderia ser diferente nos seus sites de paquera, convivência e namoro. E como toda ferramenta de sedução pode funcionar para o bem ou para o mal.
A segunda resposta é comportamentalmente mais rica e paradoxal: seja por carência, solidão, timidez, depressão, impulsividade, ansiedade e medo de ficarem sós, as pessoas estão, cada vez mais, buscando companhia – e a moderna arma das relações sociais que entra nesse vazio emocional chama-se internet. Ela cumpre uma função fundamental de aproximar pessoas num mundo cada vez mais interligado e, assim, consegue evitar que muita gente mergulhe em estados de espírito depressivos – já evitou por exemplo, com suas salas de bate-papo, que a professora universitária Nancy Farrwell se suicidasse nos EUA. Há, porém, o outro lado. Pessoas se tornam internetólatras, dependentes físicas e químicas dela a ponto de a psiquiatria ter criado um novo segmento de estudo somente para esse campo. O grande paradoxo é que dispara o número de usuários dos sites de convivência e namoro, embora as pesquisas mais recentes apontem que somente 2% dos relacionamentos que se iniciam virtualmente dão certo na vida real – dentro dessa exígua porcentagem incluem-se felizes e estáveis casamentos. “Antes, a paquera rolava no barzinho da moda, hoje é pela internet”, diz a psicóloga Luciana Nunes, que atua no Psicoinfo, o mais procurado serviço de orientação aos aficionados por relacionamentos eletrônicos em São Paulo. “A internet preenche carência e solidão, e isso é bom. Mas, por outro lado, se a pessoa estiver constantemente vulnerável, sem as informações que o corpo fornece as defesas psíquicas e emocionais costumam baixar nos relacionamentos virtuais”, diz a psicóloga Andrea Seixas Magalhães, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Ou seja: as chances de perder a razão e se deixar levar ao sabor das carências diante de um computador são maiores sem o contato físico. E isso explica o aumento de violências cometidas, de forma premeditada, por “psicopatas eletrônicos” que se escondem virtualmente nos sites de paquera e bate-papo. “Esses criminosos se aproveitam da fragilidade e abertura emocional das pessoas”, diz Ubiraci Pires da Silva, delegado titular da Delegacia de Crimes Eletrônicos de São Paulo.
AGRESSÃO A ex-modelo Isabel descobriu que o
seu namorado virtual é casado. Abriu o jogo para a
mulher dele e teve os dentes quebrados
Nas últimas três semanas, o sinal de alerta máximo foi aceso no País a partir de histórias de amor que começaram romanticamente no mundo quente e aconchegante da virtualidade e acabaram em mesas frias e reais do Instituto Médico Legal. Na cidade de Natal, a corretora de imóveis Célia Damasceno, 42 anos, foi vítima de uma quadrilha que se valeu do Orkut (site de relacionamento do Google, um dos melhores do mundo) para atraí-la amorosamente. Ela começou a se corresponder com um jovem, entusiasmou-se e passou a confiar nele, e do entusiasmo e da confiança brotou a paixão – sobretudo porque o moço, lábia não nos lábios que falam, mas nas mãos que teclam, também se dizia apaixonado. Marcaram um encontro para um churrasco na praia de Genipabu e, de lá, Célia nunca mais retornou. Ela usava tanto e tão compulsivamente o computador que até deixou-o ligado quando saiu de casa para o churrasco e ligado ele permaneceu ao longo de sua ausência. Não mais seria ela a desligá-lo. A sua filha entrou na página da mãe no Orkut em busca de alguma pista e suspeitou de um garoto. Inteligentemente, criou então um falso perfil, combinou de vê-lo pessoalmente e avisou a polícia. Todos foram presos. Célia fora assassinada a pauladas.
SUCESSO A arquiteta Noga teclou com
o poeta Alan Edward e vivem felizes.“A internet é um
milagre que nos uniu”
Estima-se que existam no Brasil cerca de 30 sites de relacionamento com aproximadamente cinco milhões de internautas navegando neles. É muita gente e por isso é preciso tomar cuidado. Uma precaução básica, por exemplo, é não se sentir nas nuvens com “massagens no ego” que venham pela rede porque isso pode cegar a razão. “Eu não enxergava nada da realidade”, diz a gaúcha Isabel Stasiak, que procurou a sua cara-metade num site. Achou que levara sorte porque ele apareceu em uma semana e, a partir daí, a paquera levou seis meses. Ela: ex-modelo, 50 anos, e, conforme admite, “tímida e carente”. Ele: carioca, engenheiro de uma estatal, 44 anos. Isabel foi teclando mil detalhes de sua vida, o moço manteve-se reservado. Hora de se conhecer pessoalmente: “Éramos praticamente vizinhos, mas não sabíamos, e fiquei feliz porque ele é bonito, alto e moreno”, diz ela. Apareceu, porém, um detalhe não tão detalhe que fez o príncipe virar sapo: o moço era casado. Rolou o barraco: apaixonada, Isabel foi atrás da mulher dele e contou tudo. Rolou então a violência: o bonitão, altão e morenão, que se dizia amoroso na internet, quebrou-lhe os dentes e o romance acabou num boletim de ocorrência. Não são todos os trapaceados, no entanto, que vão à delegacia. Tímida demais, a professora baiana Antonia Dias sentiu-se envergonhada para contar o golpe no qual caíra até mesmo para um delegado. Ela conheceu em uma sala de bate-papo um homem que se mostrou educado, romântico e gentil. Conheceram-se pessoalmente e num piscar de olhos estavam no cartório diante de um juiz de paz. Casamento e lua-de-mel consumados, imediatamente o marido apaixonado revelou-se um golpista obstinado. Antonia foi forçada a quitar-lhe dívidas e teve o seu cartão de crédito detonado. Do dia para a noite o homem se deletou de sua vida. “Deve estar por aí freqüentando os sites de relacionamento”, diz ela.
MORTE Atraída, a corretora de imóveis Célia aceitou
o convite para ir a um churrasco. Foi assassinada
Na verdade, ninguém é uma flor de pessoa e se torna trapaceiro depois que descobre pela internet uma pessoa para se relacionar – ou seja, a internet não tem culpa alguma nem o poder de alterar o caráter ou a personalidade de quem a utiliza. Psiquiatras e psicólogos comportamentais, sobretudo nos EUA, Inglaterra e Canadá, são unânimes em afirmar que quando um homem ou uma mulher fazem uso patológico da internet é porque eles já são indivíduos que sempre apresentaram comportamentos anti-sociais – que se revelam principalmente nos transtornos do controle dos impulsos e na mentira. É muito comum homens com mais de 50 anos procurarem virtualmente mulheres muito jovens e falsearem as suas idades somente para conquistá-las. Freqüentes também são os casos de mulheres mentirem na linha “estou um pouquinho acima do peso” e, na hora dos olhos nos olhos, se descobrir que esse “pouquinho”, posto na balança, é mais ou menos 100 quilos. Mais devastador que a mentira do peso e da idade é o efeito causado pelo embuste quando ele maquia temperamentos instáveis. O paulista Márcio dos Santos é gay e encontrou pela rede um homem que se mostrava culto, equilibrado, inteligente e com as portas do afeto abertas para uma relação leal e sólida. Márcio se apaixonou. No momento do encontro físico, ele admite que estava emocionado e ansioso. “Minhas mãos até suavam, e sei que esse suor era de amor”, diz Márcio. Pois bem. A resposta para tanta emoção foi deparar com um parceiro que chegou atrasado, embriagado, rude e desequilibrado.
ANGÚSTIA Márcio apaixonou-se por um homem
na internet que mentiu para ele. “Não creio mais em namoro virtual”
Se nem tudo são flores nos romances pela internet, registre-se também que nem tudo é espinho. Pode-se, sim, descobrir afeto e amor através dela, e há pessoas carentes, tímidas e que se esquivam de uma aproximação pública, mas acabam descobrindo pela rede uma companhia sincera e leal – o contato virtual possibilita que a timidez vá caindo paulatinamente e a pessoa se descontrai. Vocalista da banda de rock Flamma, o paulista Rodrigo Lacerda, encontrou a sua namorada, Lílian Eugênio, teclando via ICQ (similar ao messenger). “Mesmo a 400 quilômetros de distância estamos cada vez mais próximos”, diz ele. Há, porém, quem queira encurtar longas distâncias impostas pela internet e aí não se sai tão bem. A paulista Helena César ignorou uma distância intercontinental e, numa paixão transatlântica iniciada virtualmente, foi à Itália conhecer o seu namorado. Enquanto estavam somente na rede, trocaram fotos mas diminuíram as suas idades. O italiano propôs pagar-lhe a viagem, eles se conheceriam pessoalmente e, se tudo desse certo, viriam ao Brasil para que Helena o apresentasse a sua família. Em Napole ela viu-se diante de um homem muito mais velho e deu tudo errado.
SEM FRONTEIRA Rodrigo e Lílian namoram a
400 quilômetros de distância.“Estamos cada vez
mais próximos graças à internet”
Exemplos de sucesso são o da professora Andréia Iunes e o da arquiteta mineira Noga Lubicz Sklar. Quatro meses depois de conhecer o seu namorado pela internet, ela no Brasil e ele na Suíça, Andréia foi buscá-lo no aeroporto. O romance emplacou e dois anos depois foi a sua vez de pisar a Europa. Casaram, têm uma filha e conseguiram convencer amigos e familiares de que o amor entre eles não era somente “fogo de palha” da internet. Já a arquiteta Noga conheceu o poeta americano Alan Edward Sklar. Teclaram a sua simpatia recíproca durante quatro dias em sessões de oito horas e tudo desaguou em casamento. Noga é categórica: “O que aconteceu entre a gente foi um milagre. E ele não teria ocorrido se não existisse no mundo de hoje um outro milagre, o da internet.” Quem também fala em milagre é Rhoanita Vasquez que graças ao Orkut perdeu e reconquistou o seu namorado. É de se pressupor, pelo menos no campo do tradicional namoro de mãos dadas, que a relação preserve intimidades e privacidade. Pela internet, no entanto, esses dois itens podem ser publicamente escancarados. Rhoanita e Lucas Bogéa namoravam virtualmente e ela descobriu mensagens de outra mulher no Orkut do moço. Fez um escândalo e terminou a relação. Arrependida, valeu-se do próprio Orkut para contar a sua história e conclamou todo o Maranhão para que enviasse mensagens ao ex-namorado pedindo que ele voltasse a namorá-la. Pois bem: foram mandados uma infinidade de apelos e chegou-se a ponto de Lucas não poder pisar nem sequer um restaurante sem o risco de encontrar gente falando: “Ô cara, volta para ela!” “Milagrosamente”, como diz Rhoanita, “ele voltou”.
ADEUS, PRIVACIDADE Rhoanita expôs publicamente pelo
Orkut a intimidade de seu namoro com Lucas pedindo
para que ele voltasse a namorá-la. “Milagrosamente”,
diz a moça, “ele voltou”
POR DENTRO DA REDE |
![]() |
Pesquisa da Universidade Stanford, nos EUA, mostrou que entre 70% e 75% dos namorados virtuais mentem sobre a idade que têm | ||
Nos EUA, é no horário de trabalho que se registram cerca de 60% dos namoros pela internet com conversas mais abertas sobre sexo | ||
No Brasil, há mais mulheres que homens. Isso se inverte no | ||
Entre os que vão à internet no Brasil, 22% têm mais de 35 anos. |
COMO SE DEFENDER NO NAMORO VIRTUAL |
![]() |
![]() |
• Marque os primeiros encontros sempre em locais públicos. Essa é uma regra que nunca deve ser quebrada
• Dê um bom tempo para levar o seu namorado virtual a sua casa. Se
desejar contato sexual, vá a motéis grandes e localizados na cidade,
nunca em lugares ermos
• Salve as mensagens, sobretudo as recebidas no início do relacionamento. Compare-as com as mensagens posteriores para ver se há contradições
• A troca de informações sobre a vida pessoal deve ser equilibrada. Se você fala muito e seu correspondente, pouco, pode ser que ele tenha algo a esconder
• Se você é definido psicologicamente como alguém que tem carências afetivas, trate delas antes de iniciar um namoro virtual
• Evite se relacionar virtualmente com pessoas casadas