O PT e seus aliados caíram de cabeça no miolo da picanha: o partido tirou a boca do trombone da oposição, onde cresceu e apareceu, para se acomodar na boquinha do poder, onde deitou e agora cria fama. Numa única semana, dois ministros e um secretário nacional constrangeram o presidente Lula com um deslize que fazia a festa dos petistas na oposição: a confusão entre o dinheiro público e o privado. Na quarta-feira 22, depois de um mês de indecisão, a ministra da Ação Social, Benedita da Silva, fez o que todo mundo esperava: devolveu os R$ 4.816 de diárias que recebeu para uma viagem de oração com evangélicos em Buenos Aires.

O pecado não teria se revelado se não tivesse sido publicado no Diário Oficial da União. Às pressas, Benedita arranjou uma audiência com sua equivalente argentina, a ministra Alicia Kirchner. De volta a Brasília, pediu desculpas a Lula e foi perdoada. O Ministério Público e a oposição aumentaram o tom das críticas. Benedita bateu pé, disse que não fez nada errado, mas acabou admitindo depositar o valor em juízo, depois que foi repreendida pela Comissão de Ética do Planalto. Seu papelão acabou atrapalhando o domingo do presidente: sentado para ouvir Paulinho da Viola em Brasília, Lula teve que ouvir o coro popular de “devolve, devolve” que saudou a chegada de Benedita ao show. No dia seguinte, no Planalto, Lula deu o troco: deixou Benedita na primeira fila de autoridades, como um ministro qualquer, no lançamento do Bolsa-Família, que tem tudo a ver com a Ação Social. Cansada, Benedita capitulou – e, no mesmo dia, mandou um cheque pessoal para pagar a conta da oração.

Nem reza salvou, naquele dia, o emprego do secretário Nacional
de Segurança Pública, Luiz Eduardo Soares. Na véspera, o jornal
O Globo
revelou que ele fez um contrato de consultoria de R$ 24 mil
com Bárbara Soares, sua ex-mulher. Na antevéspera, o jornal contara que, ressabiado pelo efeito Benedita, ele tinha cancelado outro contrato, de R$ 40 mil, desta vez com a atual mulher, Miriam Guindani, que
chegou a receber R$ 1.856 em diárias, embora nem fosse servidora
do Ministério. O secretário pediu demissão denunciando “tramas
sórdidas” para sua derrubada.

Escaldado, o ministro do Esporte, Agnelo Queiroz, deputado do
PC do B, disparou antes de ser atingido pela imprensa. Anunciou,
na quarta-feira 22, que devolveria metade dos R$ 10.872 que revelou
ter recebido do governo para ficar 11 dias na República Dominicana,
em agosto, durante os Jogos Pan-Americanos. O ministro lembrou que
o hotel onde se hospedou foi pago pelo Comitê Olímpico Brasileiro (COB), uma entidade privada. Para um partido acostumado a cobrar explicações de autoridades sobre o mau uso do dinheiro público, a semana deixou
o PT vermelho de vergonha. E o presidente chamuscado no seu prestígio: a pesquisa Sensus, patrocinada pela Confederação Nacional dos Transportes, mostrou a maior queda na avaliação de Lula desde
sua posse. A aprovação ao desempenho pessoal do presidente era
de 76% em agosto e caiu para 70% em outubro. Neste caso, o PT preferiu fazer boca-de-siri.