Fábio de Oliveira Catão é homem cheio de mistérios. O segredo, na verdade, é ferramenta importantíssima em sua bagagem profissional. Somente às escondidas este brasileiro de 38 anos consegue operar as fortunas que lhe foram confiadas. Ninguém sabe ao certo, por exemplo, qual é seu endereço. Autoridades policiais americanas mantém uma lista de pelo menos dez moradias de Catão. Já os vários bancos estrangeiros onde ele mantém conta apontam mais algumas residências diferentes. Ninguém sabe ao certo em que latitudes o homem se encontra neste momento – embora seja possível retraçar seus últimos movimentos: Brasil, Uruguai, Estados Unidos e Canadá, desde setembro até agora. Um passaporte repleto de vistos, que só perdem em quantidade para o número de contas bancárias internacionais que ele possui. O que os membros do escritório da Promotoria Distrital de Manhattan, senadores
da CPI do caso Banestado, agentes da Polícia Federal e da Receita Federal brasileiras não têm dúvidas é de que Catão está envolvido
em enriquecimento ilícito, evasão de divisas, sonegação de impostos, lavagem de dinheiro e outros crimes contra os sistemas financeiros do Brasil e de vários países. Estas atividades implicam na movimentação
de cerca de US$ 1,5 bilhão – estimativa quantitativa feita por
autoridades americanas e brasileiras. Os pontos centrais desta
ciranda são: o Merrill Lynch Bank (Suisse) S.A., o CIBC de Toronto,
e o Republic National Bank de Nova York. E o epicentro da maioria
das transações é sua empresa offshore Lorneville Business Inc.,
com sede no paraíso fiscal das Bahamas.

Numa investigação que envolveu autoridades de três continentes,
ISTOÉ conseguiu levantar vários documentos e informações que jogam um pouco de luz sobre os mistérios e ações de Catão. Nesta busca, se conseguiu, entre outros papéis comprometedores, o certificado de incorporação da Lorneville – um ofício, de 1998, que tem o timbre do Registro Geral de Empresas do Commonwealth of The Bahamas. Há também um memorando emitido pelas companhias Sucre & Sucre Trust (Bahamas) Limited e Lovells Limited – intermediárias em aberturas de empresas naquela ilha –, apontando Catão como “único diretor” da Lorneville. Este papel é uma certidão oficial, que foi registrada pela tabeliã Noemi Moreno Alba, do serviço notário público do Panamá. O motivo para esta viagem em busca de cartórios panamenhos é que daquele país poderiam sair remessas da Lorneville para bancos americanos, num procedimento considerado mais fácil e seguro no esquema de lavagem de dinheiro.

Em edições anteriores, ISTOÉ já havia identificado Catão como
um superlaranja a serviço de políticos do Nordeste, empresários e celebridades brasileiras. Um de seus múltiplos esquemas envolveu
o uso das agências do Banestado para remessas ilegais de divisas
para o Exterior. Existem fartas provas sobre estas transações nas 300 caixas de documentos resultantes das investigações promovidas pela Promotoria Distrital de Manhattan, comandada pelo promotor Robert Morgenthal. Foram também auxiliados pela primeira força-tarefa da
Polícia Federal do Brasil, composta pelo delegado José Castilho e pelo perito Renato Barbosa. Esta papelada está nas mãos da CPI do Senado brasileiro. ISTOÉ comprovou com estes investigadores e com dois parlamentares da comissão do Congresso que o nome de Catão
aparece com destaque na lavanderia de dinheiro. Ele manteve
vínculos de negócios com a empresa Beacon Hill – que lavou US$ 3,2 bilhões e foi fechada pela equipe de Morgenthal em meados deste ano. Seus diretores foram indiciados pela Promotoria de Manhattan.

Como se não bastasse isso, Catão também aparece numa lista de
107 brasileiros que mantêm propriedades acima de US$ 800 mil, nos
EUA, sem ter declarado a origem do dinheiro da compra para o Fisco brasileiro. ISTOÉ descobriu que uma das propriedades é uma casa em Aspen, no Colorado. Esta lista de nomes de proprietários foi elaborada pelo adido da Receita Federal na Embaixada do Brasil em Washington.
Ela conta com centenas de outros nomes que ainda não haviam sido computados e investigados até agosto passado, quando a relação parcial foi entregue para uma comissão de parlamentares que visitou os Estados Unidos para apurar o caso das CC5 do Banestado. “O mais curioso é que o nome de Catão é o único que aparece tanto na lista do adido da Receita quanto dos investigadores do caso Banestado”, disse a ISTOÉ
um dos senadores da CPI.

Mas o rastro incriminatório deixado pelo misterioso Catão não pára por aí. ISTOÉ consegiu levantar uma série de números de contas bancárias em instituições que vão do Sul dos Estados Unidos, passando por Nova York, cruzando a fronteira com o Canadá, até chegar a Suíça e França. São tantas contas, que é possível se perder no caminho. Por exemplo: no Norwest Bank, de Minneapolis, no Estado de Minesota, Catão manteve a conta de número 350-0070893, conforme mostra um estrato de 1998. Já no CIBC, de Toronto, no Canadá, sua conta, ainda ativa, tem o número 00329/838/532. Em fevereiro deste ano foi transferida para este banco e conta a fabulosa importância de US$ 200 milhões. O dinheiro saiu da instituição financeira francesa Rhone Alpes Banque Lion, da conta #783001#2, pertencente a Catão. Depois, em 14 de março seguinte, seria feito na agência do CIBC da cidade de Calgary outro depósito, dessa vez bem mais modesto – mas igualmente ilegal, segundo leis brasileiras – de US$ 10.230,50.

Mas é mesmo no Merrill Lynch Bank (Suisse) S.A., na Suíça, onde está o grosso do estimado US$ 1,5 bilhão sob a guarda de Catão. E a fonte para este baú não seca. Por exemplo: recentemente, Catão enviou uma carta ao funcionário Michael Schilling, do J.P.Morgan Chase, ordenando uma transferência de US$ 48.374.088,00 – que estavam em sua conta de número 004776009444-0558 (nesta numeração está unido o código do roteiro da conta). O destino era a conta de número 608103179 do Republic National Bank of New York. Esta instituição financeira foi comprada há pouco tempo pelo banco HSBC, mas a conta de Catão permanece sob o dístico do Republic National. Trata-se de uma conta chamada holding e, diferentemente das contas correntes usuais, ela apenas serve para estocar e dirigir a outros paradeiros o dinheiro do correntista. Por isso, a dinheirama saiu direto dali para crédito no Merrill Lynch (Suisse) S.A., tendo como beneficiária a empresa Shore Capital Limited (não se sabe ao certo a quem esta empresa pertence, se a Catão ou a um de seus clientes), e recebendo a atenção do funcionário Bernard Scussel daquela instituição financeira suíça.

A conta do Republic National Bank of New York ainda está aberta e funcionando às mil maravilhas. Tanto que ISTOÉ fez nela um depósito de meros US$ 20, na quinta-feira 23, conforme mostra o recibo da revista. “Esta operação só poderia ter sido realizada com sucesso, caso o número da conta receptora fosse correspondente ao nome da pessoa que é sua titular de fato”, disse uma funcionária do Chase Bank, no qual a transação foi realizada. E as autoridades americanas já começam a investigar o movimento da conta de Catão naquela instituição.

Outra conta que está na mira das autoridades americanas há tempos é a do NationsBank, em Dallas, e de número 0047 7600 9344. Ela foi bloqueada depois que o próprio banco relatou ao Federal Reserve Fund – o Tesouro americano, espécie de Banco Central do país – que houve um movimento de US$ 4 milhões. A conta fora aberta como sendo de código “W8” – ou seja: para pessoa física. Houve o depósito de US$ 4 milhões e a tentativa de mudar a titularidade da conta para a empresa offshore Lorneville Business INC. Como a lei americana manda que movimentos acima do valor de US$ 10 mil devem ser comunicados pela instituição financeira ao Federal Reserve, o caso acabou nas mãos das autoridades. Não apenas a titularidade da conta não foi mudada, como ela foi bloqueada. É por isso que o cheque de US$ 5.855 que Catão passou para a agência de viagens Atlas em Calgary, no Canadá, não tinha fundos. Ele comprou bilhetes para viagem a São Paulo. Depois de um tempo, a agência receberia uma remessa de dinheiro do freguês devedor. Ele não sabia que seus fundos no NationsBank estavam bloqueados. Imagine-se o susto que levará quando verificar, num futuro breve, que outras de suas contas terão o mesmo destino. O promotor americano Robert Morgenthal deverá estar recebendo nos próximos dias os documentos sobre as atividades de Catão. Morgenthal pode quebrar o sigilo e bloquear o movimento de todas estas contas. E as autoridades brasileiras também devem receber o mesmo pacote de provas em breve.