O Brasil começou a desarmar, na tarde de quinta-feira 23, o gatilho da violência: por voto simbólico, a Câmara dos Deputados aprovou o Estatuto do Desarmamento, mantendo a proposta original do Palácio do Planalto, que restringe o uso, a posse e a venda de armas de fogo no País. Sem munição na cartucheira, abandonaram o plenário os cerca de 20 deputados que integram a “bancada da bala”, ferrenhos defensores do arsenal doméstico que transforma o Brasil num faroeste de sangue que mata 50 mil pessoas por ano – quase o mesmo número de baixas sofridas pelos Estados Unidos em dez anos de Vietnã.
Ultrapassada a trincheira belicosa da Câmara, o estatuto chega na terça-feira 28 ao remanso do Senado Federal, onde o líder do PMDB, Renan Calheiros, promete endurecer ainda mais o texto aprovado pelos deputados, tornando inafiançável a posse ilegal de armas e remarcando a data do referendo previsto para outubro de 2005. “O referendo é um passo avante na prática democrática e uma ferramenta indispensável de mobilização da opinião pública. Ele dá legitimidade à decisão do Congresso”, diz Renan, autor da primeira proposta de proibição às armas, ainda como ministro da Justiça, em 1998. Num planeta onde existem 2,5 balas reservadas para cada ser humano, o Brasil se destaca pela violência: o brasileiro tem quatro vezes mais chance de morrer por bala do que qualquer outro cidadão do mundo. Só no primeiro semestre do ano, no Rio de Janeiro e em São Paulo, 86% das pessoas que reagiram com armas foram feridas ou mortas. A Organização Mundial da Saúde denuncia que, em quatro anos, o índice de homicídios cometidos com arma de fogo no Brasil subiu de 62% para 80%.

Este quadro deve mudar agora, com a restrição de porte de armas a integrantes das Forças Armadas e policiais e a proibição de vendas a menores de 25 anos. Os atuais portes de arma vencem em 90 dias. Novas autorizações serão dadas apenas a quem não tiver antecedentes criminais e comprovar controle psicológico – inclusive os vigilantes das empresas de segurança. O tema da violência já toma as ruas do País: na sexta-feira 24, na praça da Sé, aconteceu a marcha “São Paulo pela paz”, com o desfile de 9.969 velas – cada uma delas representando o número de mortes ocorridas desde 24 de julho passado, quando o Senado aprovou o estatuto original. “Isso demonstra o quanto se perde, em vidas humanas, a cada dia perdido na aprovação da lei”, lembra o senador Renan Calheiros, que vai segurar uma das velas na praça da Sé.

A pressa no Senado já está garantida: em regime de urgência urgentíssima, que dá preferência de votação sobre qualquer outro texto, o Estado do Desarmamento deve ser aprovado ainda em novembro. Foi escolhido como relator o senador César Borges (PFL-BA), que já defendeu a proposta original, mais dura, na subcomissão de Segurança do Senado.