07/03/2007 - 10:00
Wagner Tiso entra numa pizzaria no Humaitá, zona Sul do Rio, e é cumprimentado efusivamente pelos garçons e freqüentadores. Como ele não é cantor, ator, ex-BBB ou jogador de futebol e sim maestro e arranjador, a cena é estranha. Mas resume com perfeição a marcante característica desse músico que circula com desenvoltura entre erudito e popular. Wagão, como é chamado pelos amigos, está comemorando 60 anos de vida, arredondados recentmente, e 40 de carreira. O CD e DVD que lança para marcar ambas as datas reproduz um show histórico no Theatro Municipal carioca no qual estrelas como Milton Nascimento e Gal Costa mostram porque Tiso é popular sendo erudito. Compositor do eterno sucesso Coração de estudante – que virou hino para a campanha das Diretas Já e pano de fundo para o cortejo fúnebre do presidente Tancredo Neves -, ele é autor de inúmeros arranjos que fizeram sucesso na voz dos principais intérpretes brasileiros.
Mineiro de Três Pontas, Tiso desembarcou no Rio na década de 60 apenas com a credencial de pianista. Sem dinheiro, dormia em bancos de praça até conseguir vaga para substituto de músicos em boates de Copacabana. Sua carreira prosperou e, em determinado momento, a obstinação em conseguir o melhor som encontrou rivalidade numa paixão paralela: o Partido dos Trabalhadores. Tiso fez muitos comícios para o PT, de graça, "carregando o teclado nas costas", como diz. Foi o primeiro artista de repercussão nacional a declarar voto em Lula de novo, justamente quando o partido do presidente parecia desabar em meio a denúncias como o mensalão. Ato contínuo, deu declarações que levaram à equivocada interpretação: ele passou a ser visto como um cidadão que não se preocupa com a ética. Nessa entrevista a ISTOÉ Wagner Tiso faz um inédito desabafo e conclui: "Não era a mim que queriam atingir e sim ao Lula."
Wagner Tiso – Foi muito importante para mim comemorar esses anos no Theatro Municipal do Rio, onde sempre sonhei me apresentar. Relembrar me conduz ao seguinte: valeu, fiz muita coisa, mas tenho muito a aprender ainda. Então, cada realização é um começo. Cheguei de Três Pontas (MG) sonhando tocar com um cantor conhecido da Rádio Nacional. No primeiro mês no Rio de Janeiro, toquei com um dos maiores, Cauby Peixoto. Realizei o sonho? Não. Tem muito mais pela frente, sempre. Na verdade, vejo que o tempo é curto para todas as demandas. Aos 60 anos, descobri que não tenho muito tempo mais para enlouquecer. Em alguns momentos da minha vida, tentei a loucura, como na ópera eletrônica Manú Çaruê (1988), ou no disco Minas (1969), do Milton Nascimento, que não orquestrei nos padrões. É a loucura que te leva a criar muito. A criação não vem da burocracia. Quanto mais louco for, melhor. Preciso ser rápido no processo de entrega à loucura para criar.
Tiso – Eu vivo da música popular. Mas esse não é meu interesse real. Toquei em boate, dormi em banquinho de praça, acompanhei cantores em programas de televisão… Para sobreviver, a gente vai trabalhando no que o mercado pede. Mas o que eu quero é ter tempo para fazer as coisas que sempre sonhei, a música que está só na minha cabeça, tenho muita sonoridade para mostrar. Embora tenha um trabalho reconhecido, ainda não fiz muitas coisas que gostaria. O cinema me dá algumas chances. A trilha que criei para o filme A ostra e o vento é próximo do que eu sonho mostrar. É uma música que não está classificada para o mercado, que seria inviável em disco. Mas são sons maravilhosos. E eu sou escravo dos sons. Não sou extremamente popular, mas sou bem reconhecido. Hoje, além de muita gente me parar para dar os parabéns pelo trabalho, alguns comentam declarações que dei. Uns falam assim: você tem falado coisas que nos dá luz. Outros dizem: você tem um trabalho maravilhoso mas não concordo com o que fala. Tudo bem. É democrático.
Tiso – Antes disso, eu tinha dado uma entrevista reclamado de coisas que não tinham sido feitas no governo Lula e falando das que foram feitas e que eu considerava positivo. Mas declarei meu voto ao Lula. Acho que aí é que a coisa pegou.
Tiso – Fui o primeiro e o Lula reconhece isso. Na festa do ministro Gilberto Gil ele agradeceu, emocionado, meu apoio naquele momento, que foi o mais difícil do governo. Era o momento da cassação do Zé Dirceu, o PT estava por baixo mesmo. Mas mesmo assim eu declarei meu voto e confiança porque sei que tem sido bom para o povo brasileiro. Quando eu falei isso, comecei a ser perseguido. Na saída da casa do Gil, fui cercado por jornalistas. Eu queria falar do sucesso que foi a reunião, da alegria de ter sido homenageado pelo Lula, mas as pessoas só queriam falar da ética do PT. Eu disse: não me interessa falar sobre a ética do PT num momento desse. Estou preocupado com outra coisa: de fato, todo mundo age com ética? A polícia, o cidadão e grande parte da mídia, inclusive? Então, eu disse atabalhoadamente o que foi publicado fora de contexto e gerou toda a polêmica. Queriam atingir ao Lula.
Tiso – Sim. Diziam: olha o que pensam os artistas que apoiam o Lula! Mas era uma frase fora do contexto que não reproduz meu pensamento, minha conduta. Quem me conhece sabe disso. Agora, ao lançar um DVD de quatro décadas de minha carreira, parece que não há interesse. Porque uma bobagem falada no fim de uma festa e publicada fora de contexto tem mais valor do que um disco que resume uma vida?
Tiso – Recebi o apoio público do Chico Buarque e de duas pessoas que pensam radicalmente diferente, que foram Caetano Veloso e o João Ubaldo. Mas senti falta da solidariedade da minha classe, a dos instrumentistas. Tive o carinho absoluto do povo nas apresentações que fiz, após e durante o episódio. Por outro lado, teve colunista que escreveu coisas extremamente nocivas à minha pessoa, que me deixou completamente indignado. Um jornalista escreveu que não faço sucesso há 30 anos e vivo de extorquir o governo. Extorsão é crime, então me chamou de criminoso. Outro aconselhou a não me convidar para jantar porque posso levar os talheres. Me chamou de ladrão. É muita maldade!
Tiso – Não. Já estamos com a agenda de 2008 aberta porque a deste ano está praticamente cheia. Faço uma média de 200 arranjos por ano. Só um projeto do Ponto Frio me levou a seis capitais, cada uma com um elenco diferente. Faço meus discos e discos de outros, trilhas sonoras de cinema. Eu já conto com uma equipe que trabalha para mim, porque não tenho tempo para fazer tudo sozinho.
Tiso – Primeiro, trabalhar o CD e o DVD de 60 anos. Depois, vamos lançar uma caixa de arranjador com 60 fonogramas originais. É um projeto inédito. Em quatro CDs, faço o mapeamento da música brasileira através da minha ótica de arranjador. Tem arranjos para Gal Costa, Milton Nascimento, Gonzaguinha, Djavan. Ainda no primeiro semestre, vou gravar ao vivo o projeto Reflexões sinfônicas, no Theatro Municipal. Depois, sigo para turnê nos Estados Unidos e Japão. A minha série sinfônica, que faço todo ano, em 2007 será com Edu Lobo e Milton. A família Sabino me convidou para fazer a opereta O grande Mentecapto, do livro homônimo de Fernando Sabino, que vai estrear em outubro, em Belo Horizonte. Farei outra ópera com Geraldinho Carneiro, Manú Çaruê II. Fora os trabalhos eventuais que sempre aparecem.
Tiso – O mais popular. Eu não considero essa música a melhor que eu fiz. Ela foi feita para o filme Jango e, depois, ganhou letra do Milton e me jogou para a categoria de artista popular. Entre os instrumentistas, talvez o mais popular.
Tiso – Principalmente porque o povo não tem acesso. Quando a gente leva uma orquestra para um show aberto e gratuito, o que vemos? Uma multidão! Gente que vai na praça mas não vai ao Municipal. Quando toquei Villa-Lobos em 1967 com o (maestro Isaac) Karabtchevsky na Quinta da Boa Vista, no Rio, tinha mais de 200 mil pessoas. Tudo o que eu tenho feito com orquestra é com muita gente, público muito grande. Bem maior do que quando faço música instrumental em lugares menores. Com orquestra pode ser onde for, está sempre lotado.
Tiso – Para mim, tudo começa com a educação na escola. Estamos criando – eu, minha mulher, a Giselle, e algumas sócias – um núcleo para formação, educação e cultura. Meu sonho é botar educação musical na escola. Me preocupa pensar que daqui a 10 anos não vai mais ter público para esse tipo de música porque a mídia, em especial a televisão, massifica um tipo de produto imediatista e a musica mais elaborada fica sem espaço. Desconhecida, seu destino só pode ser o desaparecimento. Sem formação de platéia desde o básico, vai sumir. O que fazer? Educação nas escolas. Invisto nesse projeto – o Toca Brasil – há 5 anos. Todas as despesas que tivemos até agora, eu paguei. É um sonho.
Tiso – Eu não tenho nada contra o funk. Mas acho um absurdo ninguém conhecer uma música de Villa Lobos. Aliás, ele é um dos meus inspiradores porque fez música nas escolas. Na minha época, tinha aula de canto orfeônico. Eu aprendi ali.
Tiso – A criança vai ter aula de música orquestral na escola. Ela pode preferir tocar choro, pandeiro, rock, mas terá aula de música orquestral também e poderá vir a formar uma orquestra. Ou um conjunto, uma banda, o que for. Na Venezuela, já foram formados 190 orquestras sinfônicas infantis, através do ensino em escolas públicas. E elas têm o mesmo nível das orquestras adultas do Brasil. Uma criança que consegue em quatro anos um nível desse, disputa espaço em qualquer orquestra da América do Sul. Isso gera também a fabricação de instrumentos, como violino, zabumba, pandeiros, tamborins, violões. Estamos buscando patrocínios para fazer os pilotos. Já temos patrocínio do BNDES para Palmas, em Tocantins, Nova Iguaçu, no Rio, e Belo Horizonte, em Minas Gerais.
Tiso – Acho que o Lula tem o hábito de ser simpático onde esteja. Ele fala para o público que está na platéia. E gosta de provocar humor. Agora, eu acho que a gente podia dormir sem essa. Não precisava fazer esse humor.
Tiso – O primeiro patrocínio foi em 1985, com Coração de estudante. Fiz muita coisa na Petrobras no govenro de Fernando Henrique. No primeiro ano do govenro Lula, tive dois projetos recusados. No segundo ano, mais um. Mesmo recendo três negativas, considero o trabalho de seleção da Petrobras muito correto.