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Este corpo é de um chinês que voluntariamente o
doou em vida para estudos científicos.

 

Fale o seguinte alerta aos olhos e à emoção: não confundir o primeiro piso do centro de exposições Oca, no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, com sala de necropsia e laboratório de patologia de algum Instituto Médico Legal. Outro aviso: a Oca é um espaço para eventos culturais, mas também não é cultura o que lá está exposto para o público. É ciência e muita polêmica o que se exibe. Trata-se da exposição

Corpo Humano: Real e Fascinante

, que tem como mentor o médico americano Roy Glover e reúne 16 corpos inteiros, cadáveres, bem entendido, e 225 órgãos. Agora, vamos por partes.

A mostra é polêmica porque, segundo alguns cientistas, ela se situa no terreno da banalização da morte ou no campo da glamourização da morte, não havendo meio termo. E a polêmica, na verdade, vem desde o início dos anos 90 quando o alemão Gunther von Hagens percorreu o mundo com exposição similar – chamava-se Körperwelten, o que significa mundos do corpo. Hagens pegou pesado ao estetizar a morte chegando ao ponto de armar para o público um cadáver que carregava a sua própria pele. Nunca houve um ecumenismo tão forte entre católicos e evangélicos amaldiçoando as suas criações. Em Corpo Humano: Real e Fascinante tudo é diferente e por isso ela é ciência pura, ou, como define o próprio idealizador da mostra, trata-se de uma abordagem médica e técnica. Com a palavra o médico Glover: "Minha abordagem é científica e não estética ou artística. A exposição foi projetada apenas para educar e ajudar as pessoas a aprenderem sobre seus corpos, por meio de meticulosa dissecação, preservação e exibição respeitosa de corpos humanos de verdade".
 

É claro que voyeuristas da morbidez podem alucinar com os cadáveres mas isso é problema deles e não de Glober, diretor médico e professor emérito de anatomia e biologia da Universidade de Michigan. A exposição pode e deve ser vista seguindo aquele velho ditado que diz: para morrer, basta estar vivo. Com esse pragmatismo em mente, pode-se então mergulhar no seu lado sério, o lado científico no qual se destaca a técnica de plastinação ou polimerização de corpos humanos: eles são desidratados e recebem quimicamente substâncias plásticas que os mantêm maleáveis e sem odor. A polimerização é uma espécie de plastificação da matéria na qual os tecidos são esvaziados de água e, imediatamente, preenchidos com borracha líqüida de silicone. O mesmo ocorre com os órgãos. Essa técnica de preservação permite que sejam mantidas nuances de textura e cor de corpos e órgãos inteiros. Parece inimaginável, mas quem quiser poderá apanhar com as mãos, por exemplo, um estômago completo ou fatiado e compreender como é e como reage o estômago que carrega em seu próprio corpo.

Corpo Humano: Real e Fascinante cumpre, assim, também a função psicológica de tentar nos arrancar o véu do medo de morrer -e alcança esse objetivo porque, repita-se, tudo nela é científico, nada é artístico ou estética do horror. Outra prova disso: a mostra já foi visitada, nos países pelos quais passou, por aproximadamente três milhões de pessoas. Os cadáveres e órgãos, segundo Glover, são de pessoas que tiveram morte natural e que em vida doaram o seu corpo para um programa de ciência e educação na China. Tudo aquilo que está exposto foi um dia vivo. E nós seremos algum dia aquilo que lá está.