Se depender do elenco estrelado desta sua primeira edição, o Tim Festival – herdeiro do extinto Free Jazz – tem tudo para preencher a lacuna deixada por seu antecessor. Com curadoria de Zuza Homem de Mello, Zé Nogueira, Paulo Albuquerque e Hermano Vianna, o evento reunirá da quinta-feira 30 ao sábado 1º mais de 40 atrações nos três palcos armados no Museu de Arte Moderna (MAM), no Rio de Janeiro. Alguns deles se apresentarão em shows individuais em São Paulo*. Pensado para agradar a todos os estilos, o festival abraçou gente de peso. Entre muitos, tem a cantora e compositora
pop canadense k. d. lang; a dupla de Detroit, The White Stripes, sensação roqueira do momento; o rap do grupo nova-iorquino Public Enemy; a pop-languidez atípica do Lambchop, nascido na frenética Nashville; o tecno belga do Front 242, considerado o criador da
Electronic body music (EBM); e a banda brasileira mais querida da atualidade, Los Hermanos. No universo do jazz destacam-se a cantora Shirley Horn; o grupo do trompetista Terence Blanchard; e a McCoy Tyner Big Band. Uma curiosidade é o new tango dos franceses do
Gotan Project. Mas a estrela máxima, sem dúvida, é k. d. lang, que
faz seu concerto na noite de estréia.

Desde que explodiu em seu país, em 1983, Kathryn Dawn Lang insiste para que seu nome seja grafado só com as iniciais minúsculas – igual ao poeta americano e. e. cummings. Na semana passada, k. d., como gosta de ser chamada, falou a ISTOÉ sobre suas expectativas em relação ao Brasil, ainda emocionada com o encerramento na Austrália da turnê mundial do álbum A wonderful world, que fez ao lado do elegante Tony Bennett. Embora seja fã de MPB – cita Tom Jobim, João Gilberto, Caetano Veloso e Carlinhos Brown com toda a intimidade –, ela confessou ter ficado surpresa ao ler críticas sobre seu mais recente disco de estúdio, Invincible summer, de 2002, no qual suas canções são descritas como uma mistura da Califórnia dos anos 1960 com música brasileira. “Eles não entenderam o conceito de preguiça, paz de espírito, bem-estar, bom gosto”, alfineta a cantora, acostumada a mal-entendidos com a imprensa e a indústria do disco.

Quando surgiu no mercado americano, depois de deixar a minúscula Constant, no Canadá, os executivos das gravadoras a reuniram ao guitarrista inglês Dave Edmunds. O disco Angel with a lariat (1986) seguia a onda rockabilly do grupo Stray Cats, então no auge do sucesso. Hoje, ela lembra como logo sentiu que Edmunds, em sua viagem de guitar heroe, não tinha entendido nada.

Na verdade, k. d. era e é apaixonada
pelo estilo da lendária cantora country americana Patsy Cline, morta num acidente de avião, em 1963. Tanto é que gravou em Nashville, a meca country, o disco Shadowland (1988) com o produtor de Patsy, acompanhada de seu grupo batizado de The Reclines, uma homenagem à musa. Era o início do estrelato.

k. d. costuma dizer que é a líder de sua banda, e não apenas um dos seus membros, já que compõe o que canta. Acha muita graça que algumas biografias a apresentarem como andrógina canadense em vez de cantora. No entanto, concorda que ao assumir sua homossexualidade nos anos 1990 deu um grande trunfo para a
gravadora que usou e abusou de tal imagem – na capa da badalada revista americana Vanity Fair, por exemplo, posou de terno sendo barbeada pela modelo Cindy Crawford trajando biquíni. Vegetariana
e militante ecológica, k. d. troca declarações bombásticas pelo estilo
low profile. Mas não se furtou a falar sobre a eleição de Arnold Schwarzenegger para o governo da Califórnia. Declaradamente
de esquerda, ela não tolera republicanos, artistas ou não.

Depois de excursionar com Bennet entoando canções imortalizadas por Louis Armstrong, k. d. lang deverá apresentar o repertório de Live by request, álbum ao vivo de 2001, que inclui músicas dos discos Absolute torch and twang (1989), Ingénue (1992) e do ótimo Drag (1997), entre outros. E com todo charme e bom humor prometeu a ISTOÉ: “Podem ter certeza que eu NÃO vou cantar The girl from Ipanema, ok? Fiquem tranquilos.” Como se vê, óbvia, ela não é.

* Destaques do Tim Festival. Quinta-feira 30: k. d. lang (dia 1º também no DirecTV Music, em São Paulo); Lambchop; McCoy Tyner Big Band; e Los Hermanos. Sexta-feira 31: The White Stripes; Terence Blanchard’s Bounce; e Gotan Project. Sábado 1º: Shirley Horn; Public Enemy; e Front 242 (dia 2 também no DirectTV Music Hall, em São Paulo).