29/10/2003 - 10:00
Suas figuras de mulher são quase todas esguias, com portes de bailarinas. Muitas delas trazem pombas da paz acopladas nas mãos, nos braços. Quando o assunto é o mundo animal, as próprias pombas se transformam em estrelas de uma arte que também agrega grupos de elegantíssimas panteras, robustos rinocerontes ou graciosas cabras. Tudo no universo da escultora gaúcha Sonia Ebling guarda uma delicadeza feminina, moldada pelo bronze ou pelo mármore. Em exibição no espaço da antiga Galeria São Paulo, 14 esculturas de Sonia se posicionam em companhia de obras do mestre paulistano Victor Brecheret e do pernambucano Francisco Brennand. Os três integram a mostra Grandes nomes da escultura brasileira, organizada pelo marchand mineiro Marcus Vieira. A exposição engorda um circuito nobre atualmente em cartaz na capital paulista. No momento, a cidade abriga outras duas mostras de peso, a obrigatória revisita ao trabalho da fluminense Lygia Pape, na galeria André Millan, e o passeio pela modernidade do paulistano Carlos Fajardo na Pinacoteca do Estado e na Dan Galeria.
São estilos completamente diferentes, mas cada um representativo na sua área. Estar em contato com o trabalho de Lygia Pape, por exemplo, é entrar num mundo de vitalidade exposta. Nas esculturas de parede da série Amazoninos, feitas de ferro e pintadas com tinta automotiva, o vermelho-sangue brota insinuante ao cobrir formas e texturas que fazem auto-referências, alternando esferas, triângulos, quadrados e tiras e superfícies ora ásperas, ora lisas. Vistas em conjunto, resultam numa deliciosa brincadeira matemática.
Mas na cor remetem exclusivamente à admiração da artista pela cultura indígena, mais especificamente ao vermelho do urucum, fruto do qual os índios tiram a tinta para pintar suas peles. Uma outra obra de Lygia chama a atenção. É Livro noite e dia, iniciada em 1963 e terminada só em 1976. Trata-se de mais uma paixão da artista pela luz e suas possibilidades, já que ela mescla criteriosamente tons de cinza, branco e preto em 365 peças de madeira do mesmo tamanho, porém recortadas de jeitos e formas diferentes que induzem a um curioso – e luminoso – efeito cromático.
Carlos Fajardo não é tão meticuloso. Seu trabalho privilegia recortes brutos de materiais em superposição, como mármore, folhas de chumbo, tecido e espelho. Eclético, nem parece o mesmo artista quando se desvia os olhos das sisudas esculturas sobrepostas para os alegres “quadros” retangulares em fórmica sobre madeira com coloridos de gemetria ortodoxa. O oposto do que se vê nas linhas clássicas dos sete bronzes e uma terracota de Brecheret, como Pietá ou Boi, dois exemplos do talento do artista que indicou os caminhos da base do modernismo no Brasil. De linhas bem distintas, Brennand comparece à mesma mostra com um segmento bem menos erótico do que o convencional da sua obra. Apenas Diana, a caçadora, com seus seios redondos como côcos, se impõe sobre os outros nove bronzes e duas cerâmicas de tons étnicos. Uma tarde por este circuito paulistano é uma aula de arte e prazer estético.