29/10/2003 - 10:00
Às vezes, a celebridade serve a causas mais nobres do que atrair os paparazzi. Na semana passada, o ator Robert de Niro, 60 anos, revelou que está com câncer de próstata. A doença está em estágio inicial, o que eleva as chances de cura. Seu gesto encoraja os homens a dar mais atenção a um assunto grave, mas cercado de preconceitos, como é a prevenção desse tipo de tumor, o principal entre os maiores de 50 anos e um dos mais letais. O anúncio ocorreu na mesma semana em que foi lançada uma campanha protagonizada por Tarcísio Meira, 68 anos. O ator alerta para a importância da realização do exame de toque retal para detectar esse câncer. “É preciso perder o preconceito. Ninguém fica menos macho fazendo o teste”, diz. A campanha é uma iniciativa de 32 hospitais. A Sociedade Brasileira de Urologia também prepara uma ofensiva. Em novembro, colocará à venda a coleção Urologia sem segredos, com títulos sobre impotência, próstata, infertilidade e cálculo renal.
As ações são oportunas. Em geral, os homens se cuidam menos. É o que se verifica, por exemplo, em relação ao câncer. “A maioria só procura ajuda quando o tumor está avançado”, diz Daniel Deheinzelin, do Hospital do Câncer de São Paulo. A mesma dificuldade vale para aspectos mais corriqueiros da saúde. “A maior parte das consultas é agendada pela esposa, mãe, filha ou amiga”, conta Miguel Srougi, autor do livro Próstata: isso é com você. Felizmente, há transformações em andamento. A mais evidente está na atitude menos receosa das novas gerações. O ator Murilo Rosa, 33 anos, está entre os mais conscientes. Evita comidas gordurosas e bebidas alcoólicas e no começo do ano fez um check-up. Quase perfeito. Pecou porque só levou os resultados para o clínico geral na semana passada. “Não encontrei tempo para voltar ao médico”, justifica. A correria profissional também interfere nos planos do ator Gabriel Braga Nunes, 31 anos. Com duas peças em cartaz, sobra pouco tempo para nadar e correr. “Nem sempre consigo, mas procuro dormir oito horas e manter a qualidade da alimentação”, conta.
Uma pesquisa do dentista Fábio Bibancos, de São Paulo, confirmou que a falta de tempo é uma das justificativas (ou seria desculpa?) masculinas para abandonar o tratamento. Para agilizar o atendimento, Bibancos montou uma clínica com especialistas de várias áreas da odontologia, computadores para que os clientes possam trabalhar nos intervalos e até um serviço de refeições. A frequência de homens subiu de 20% para 35%. “Os serviços têm de se adequar às necessidades específicas de homens e mulheres”, afirma. Essa percepção vai ao encontro de um novo caminho trilhado pela medicina. Os cientistas querem identificar as características que levam os homens a ter uma expectativa de vida de seis a oito anos menor do que as mulheres. Na Universidade de Harvard (EUA), já existem estudos sobre as diferenças entre os gêneros e suas implicações na saúde. “E na Inglaterra e na Escócia, o governo criou centros para atender só homens”, diz a endocrinologista Anna Maria Martits. “Precisamos igualar a longevidade entre os sexos”, completa. O modelo Paulo Zulu, 40 anos, faz tudo para viver mais. “Meu estilo de vida é tão exato que meu corpo está como aos 18. Não tenho queixas e, por isso, não costumo ir a médicos. Mas o caso do Robert de Niro me mostrou que devemos fazer exames”, afirma. A seguir, as recomendações para prevenir alguns dos principais problemas de saúde masculinos.
Câncer
O tumor mais frequente no Brasil, para ambos os sexos, é o câncer de pele não melanoma. Em seguida, entre os homens, vêm o tumor de pulmão e o de próstata. O câncer de pulmão progride sem dar sinais. Por isso, a maioria dos casos é diagnosticada em estágios avançados. Descoberto em fase inicial, tem 80% de chances de cura. O principal sinal de alerta para os médicos é a presença de nódulos sugerida nas radiografias do tórax. O tratamento é cirúrgico, seguido ou não de radioterapia e quimioterapia. Nesse campo, há drogas modernas, como os inibidores de fatores de crescimento do tumor. “Mas o que salva mais vidas é a prevenção, principalmente não fumar”, afirma Daniel Deheinzelin. De fato, quem tira o cigarro da vida se beneficia muito. Depois de cinco anos, o risco de ter câncer pode se equiparar ao de uma pessoa que nunca fumou.
Já os tumores de próstata são detectados por dois exames. Um é o toque retal. O ator Pedro Paulo Rangel, 55 anos, se submete ao exame há oito anos. “O homem precisa fazer um acompanhamento mais regular de sua saúde”, aconselha. O outro teste é o exame de PSA (Antígeno Prostático Específico), que analisa no sangue a concentração de uma proteína associada ao tumor. O urologista Miguel Srougi orienta a realização dos dois (se detectado bem no início e se for pouco agressivo, a chance de cura é de até 90%). A próstata é uma glândula localizada entre a bexiga e o reto e produz substâncias do sêmen. É normal aumentar de tamanho com a idade, mas seu endurecimento está ligado à presença de câncer.
Não se conhecem as causas desse tumor, mas há três fatores de risco que favorecem seu aparecimento. Dois deles são ter casos na família e seguir dieta com alto teor de gorduras. O outro é a raça. “Os negros têm 50% mais chances de ser vítimas da doença”, alerta Srougi. O tratamento varia da cirurgia de remoção da próstata a diferentes formas de radioterapia. Casos em que os tumores atingem outros órgãos podem implicar terapias hormonais e remoção dos testículos (ele produz a testosterona, hormônio que estimula o tumor). Há, porém, chance de ocorrer um incômodo efeito colateral. “A radioterapia pode causar impotência em até 35% dos casos. A cirurgia, entre 40% e 70%”, diz o médico. Os recursos para recuperar o desempenho sexual incluem remédios que facilitam a ereção e implantação de próteses penianas. No Hospital do Câncer, o urologista Álvaro Sarkis criou, para casos selecionados, o transplante do nervo sural (retirado dos pés) para o pênis.
Coração
Na lista de preocupações dos homens, o coração sempre teve lugar. Pudera. Estima-se que 350 mil pessoas morram por ano no Brasil em decorrência de males cardíacos, 70% delas do sexo masculino. Os números poderiam indicar um quadro pior se não fossem os avanços na cardiologia e a insistência dos médicos na prevenção. Por isso, o ideal é fazer na época certa os exames prescritos pelo médico e incluir hábitos saudáveis. Já está provado que quem se exercita e mantém uma alimentação equilibrada sofre menos do coração. O empresário Flávio Barone, de São Paulo, é a prova disso. Aos 72 anos, ele tem um coração moço. Barone se alimenta direito, está sempre de bom humor e faz exercícios. “Quero trabalhar até os 150 anos”, brinca. Segundo o médico Ricardo Kortas, de São Paulo, para conservar o coração forte basta ter um treino bem direcionado e um bom acompanhamento clínico.
Dos exames de rotina aos transplantes, a cardiologia cresce com as novidades tecnológicas. Após um infarto, por exemplo, já é possível
ter a noção exata da área que ainda pode voltar a funcionar. Além
disso, as técnicas mais tradicionais ganharam aperfeiçoamento. “Hoje, colocam-se stents (artefatos que mantêm a artéria desobstruída) embebidos em remédios”, diz o cardiologista Juarez Ortiz. Isso diminui a chance de o vaso sanguíneo voltar a fechar. Modernos remédios também ajudam. Eles reduzem as taxas de colesterol ruim e controlam a pressão alta, medidas fundamentais para proteger o órgão. Agnaldo Píspico, de São Paulo, recomenda mais dois cuidados. “Cuidar da barriguinha com mais de 105cm de circunferência e parar de fumar”, afirma. E vale mais uma orientação: quem tem parentes com problemas cardíacos deve
fazer os exames de controle bem cedo.
Sexo
O Viagra completou cinco anos de existência. Desde seu lançamento, pode-se afirmar que a sexualidade masculina entrou numa nova
fase. Antes de surgir a pílula azul, pouco se discutia a respeito de problemas de ereção, ejaculação precoce e desejo. Agora, com o
cenário reforçado pelo aparecimento de mais opções para a disfunção erétil (Cialis, Levitra e Uprima), o homem tem condições de lidar melhor com os dilemas da cama. “Parece que antes da criação dos remédios
para a disfunção erétil não existia gente com dificuldade sexual. As pessoas tinham medo de falar disso”, avalia Eric Wroclawski, presidente da Sociedade Brasileira de Urologia.
Sabe-se que 50% dos homens entre 40 e 70 anos sofrem de algum grau de disfunção erétil. Para Wroclawski, aceitar que se tem um problema sexual hoje é muito mais fácil. E, com isso, admitir a necessidade de tratamento. Segundo Maria Helena Vilela, diretora do Instituto Kaplan, especializado em sexualidade, reconhecer a dificuldade já é um passo importante. “Depois que eles entendem que há algo errado, querem ajuda o mais rápido possível”, afirma.
Por causa dessa urgência, entretanto, muitos ainda resistem aos tratamentos psicológicos. Algumas vezes, essas terapias são demoradas, porém são fundamentais na hora de cuidar da ejaculação precoce, por exemplo. Maria Helena revela que a maioria dos homens que chega ao instituto com essa queixa já procurou antes ajudas “milagrosas”. “A ejaculação precoce é principalmente uma manifestação de ansiedade. Não há nada que comprove a existência de causas fisiológicas”, alerta Wroclawski. Em relação a esse problema, os antidepressivos estão mostrando bons resultados no tratamento conjugado com a psicoterapia. Eles podem retardar a ejaculação em alguns casos. De qualquer modo, conformar-se com as dificuldades não faz sentido. Os homens nunca tiveram tantos recursos para lidar com seus problemas sexuais.
Reposição hormonal
Ficar cansado, perder a libido, sentir-se deprimido sem ter motivos e apresentar anemia podem ser sinais de que algo está errado na produção de uma substância que é quase sinônimo de masculinidade: a testosterona. Esse hormônio é fabricado pelo organismo a vida inteira, mas é possível que
ocorra deficiência na sua liberação, principalmente
a partir dos 60 anos. A saída? Fazer a reposição
por meio de medicamentos.
A medida pode ser pouco adotada no Brasil – o método é mais popular nos Estados Unidos –, mas isso não significa que o problema seja menor. “Cerca de 20% dos homens entre 60 e 69 anos têm deficiência hormonal. Na faixa entre 70 e 79, o índice é de 30%. E para os acima de 80, chega a 50%”, afirma o endocrinologista Ricardo Meirelles, diretor do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia, no Rio de Janeiro. A queda de produção de testosterona é chamada por alguns médicos de andropausa. Se houver deficiência, os especialistas recomendam a reposição, que pode ser feita por meio de injeções, adesivos, gel, implante e comprimidos.
Como poucos procuram auxílio por conta própria, normalmente é a mulher quem conversa com o especialista sobre as queixas do marido. “Também acontece de outro médico encaminhar o paciente”, diz Ruth Clapauch, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. Para Ruth, o tratamento tem potencial de crescimento no Brasil. “Os remédios repõem de forma cada vez mais parecida a testosterona produzida pelo corpo e as pessoas estão mais informadas”, explica. Meirelles completa: “Só recentemente é que se começou a dar mais atenção ao envelhecimento masculino. O correto é estimular o diagnóstico da deficiência”, sugere. A terapia não é indicada a homens com insuficiência cardíaca e a quem teve câncer de próstata (o hormônio pode estimular o aumento do tumor). E os comprimidos são vetados a portadores de problemas hepáticos. Por outro lado, a reposição de testosterona diminui a gordura corporal e aumenta a massa muscular.
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