29/07/2009 - 10:00
Logo no início do governo do Partido dos Trabalhadores, o ex-tesoureiro da legenda Delúbio Soares procurou o banqueiro Daniel Dantas para vender proteção política. Na primeira entrevista exclusiva desde sua prisão na Operação Satiagraha, em julho do ano passado, Dantas revelou à ISTOÉ na tarde da quinta-feira 23 que Delúbio queria que as empresas do grupo Opportunity pagassem US$ 50 milhões da dívida da campanha de 2002 do PT. Homem-bomba para muitos, Dantas é peça central das privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso e presença constante nas páginas policiais durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Em quase duas décadas, teve seu nome relacionado a muitos dos escândalos ocorridos no Brasil. Foi preso temporariamente em duas ocasiões, está condenado a dez anos de reclusão num caso em que é acusado de subornar delegados da Polícia Federal e, na semana passada, passou a ser réu num processo por evasão de divisas e formação de quadrilha. Além disso, sofreu um golpe direto nas suas duas principais atividades empresariais, quando o juiz Fausto De Sanctis ordenou o confisco de 27 fazendas de gado e também a dissolução de um fundo de investimentos de R$ 954 milhões. Embora a segunda medida já tenha sido suspensa por decisão de uma desembargadora, Dantas se viu diante do que chamou de "algema econômica".
A assessoria de Fernando Henrique informou que o ex-presidente está em viagem sem possibilidade de comunicação e por isso não teria como comentar as declarações do banqueiro.
Na entrevista, Dantas contra-atacou pela primeira vez, contando histórias de operações que não se materializaram, como o pagamento dos R$ 50 milhões ao PT. De fato, pode ser que Daniel Dantas, o homem cuja fortuna é estimada pela Polícia Federal em R$ 5 bilhões, nunca tenha aceitado um acordo nos moldes propostos por Delúbio. Mas, para quem passou quase duas décadas no centro dos maiores negócios feitos na zona de sombra do público com o privado, são as histórias do que ele fez – ou do que suspeitam que ele teria feito -, que lhe renderam a aura de homem-bomba das privatizações brasileiras.
DEMOCRÁTICO Segundo Dantas, Satiagraha não partiu de Lula
Delegados da Polícia Federal e, na semana passada, passou a ser réu num processo por evasão de divisas e formação de quadrilha. Além disso, sofreu um golpe direto nas suas duas principais atividades empresariais, quando o juiz Fausto De Sanctis ordenou o confisco de 27 fazendas de gado e também a dissolução de um fundo de investimentos de R$ 954 milhões. Embora a segunda medida já tenha sido suspensa por decisão de uma desembargadora, Dantas se viu diante do que chamou de "algema econômica".
A entrevista à ISTOÉ foi concedida por meio de videoconferência. Dantas estava na sede do grupo Opportunity no Rio de Janeiro, acompanhado de um de seus sócios, Dorio Ferman, de uma advogada e de uma assessora. A reportagem de ISTOÉ estava no escritório do grupo em São Paulo. O banqueiro se disse vítima de uma conspiração política e revelou suas relações – por ora próximas e muitas vezes conflituosas – com figuras proeminentes do poder, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, os ex-ministros José Dirceu e Luiz Gushiken e o ex-publicitário Marcos Valério de Souza, além de Delúbio
PROPOSTA INDECENTE Delúbio quis quitar a dívida do PT em troca de apoio, diz o banqueiro
Entre as histórias que Dantas decidiu contar, a mais relevante foi sobre a sugestão do ex-tesoureiro petista. Segundo o dono do Opportunity, a proposta de Delúbio foi feita em conversa com Carlos Rodenburg, ex-marido da irmã de Daniel, Verônica Dantas. "Eram mais ou menos US$ 50 milhões", diz o banqueiro. Naquele momento, com a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ele estava ciente de que não era benquisto pelo governo – os fundos de pensão, de quem era sócio na empresa Brasil Telecom, mostravamse descontentes com a parceria, selada no governo Fernando Henrique Cardoso, e queriam assumir a gestão da empresa, até então a cargo do Opportunity.
De acordo com Dantas, a contrapartida que ele teria, se pagasse a dívida do PT, seria "o fim das hostilidades". Pragmático, o banqueiro baiano não rechaçou de imediato a abordagem. Procurou o Citibank, de quem também era sócio na Brasil Telecom, e levou a proposta adiante. Essa conversa se deu com Mike Carpenter, ex-vice presidente mundial do banco, que disse ser melhor não pagar. "Decidimos não comprar a proteção", diz Dantas. Procurado por ISTOÉ, Delúbio preferiu não comentar o assunto. Considera-o página virada em sua vida. E Dantas, ao ser perguntado sobre os detalhes desse acerto, segundo ele, frustrado, afirma que chegou até a documentar suas conversas com o vice-presidente do Citi. Num e-mail, disse que o negócio com a agência de publicidade não seria assinado – o que significa que o acerto da dívida do PT passaria pelas empresas do publicitário Marcos Valério. "Nunca tive conhecimento disso", diz Marcelo Leonardo, advogado do publicitário. "Os contratos efetivamente feitos com a Brasil Telecom diziam respeito à efetiva prestação de serviço a duas empresas: a Telemig e a Amazônia Celular, para as quais foram feitas diversas campanhas de publicidade", completa.
Em síntese Na terça-feira 21, o juiz Fausto De Sanctis determinou o confisco das 27 fazendas e de 450 mil cabeças de gado do banqueiro Daniel Dantas. Na quinta-feira 23, Dantas concedeu à ISTOÉ a primeira entrevista desde que foi preso, há pouco mais de um ano, na Operação Satiagraha. Revelou suas relações com as principais autoridades do PT e do PSDB. Disse que recebeu do ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares, pedido para pagar dívida de US$ 50 milhões do partido. Contou sua experiência na prisão e deu sua versão para a acusação de subornar um delegado com R$ 1 milhão. |
NA SALA DO ALVORADA Dantas confirma encontro com FHC para tratar de telefonia
Segundo Dantas, seus adversários adotaram "um jogo abaixo da cintura" para garantir o controle da Brasil Telecom. Na linha de frente, estariam os então poderosos ministros José Dirceu, interessado em entregar o controle da Brasil Telecom aos fundos de pensão, e Luiz Gushiken, apontado pelo banqueiro como o maestro dos fundos de pensão e também um defensor dos interesses da Telecom Italia. O banqueiro diz que decidiu se cercar de advogados com alguma proximidade com os dirigentes do PT para, em suas palavras, "construir uma ponte". Foi assim que contratou Luiz Eduardo Greenhalgh, ex-deputado do PT, o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, amigo de Dirceu, e Roberto Teixeira, compadre do presidente Lula. Procurado, Greenhalgh confirmou que Dantas não tinha diálogo com os fundos de pensão e com o PT em geral. "Eu o aconselhei a sair da telefonia e a buscar outros negócios", diz o advogado. "As pessoas me contratam porque advogo em causas relevantes", contestou Kakay. "No governo FHC fui advogado de oito ministros e no governo Lula, por incrível que pareça, de dois", diz. Teixeira disse que foi contratado por Dantas antes da eleição de Lula. "Meu trabalho foi atuar única e exclusivamente junto a tribunais e na interpretação de leis – nunca junto ao governo", afirmou.
Quanto às suas relações no governo FHC, Dantas confirma que jantou com o então presidente Fernando Henrique, no Palácio do Alvorada, e o assunto foi a disputa pelo controle de empresas de telefonia. Mas nega que, no encontro, tenha pedido a cabeça dos presidentes de fundos de pensão estatais que estariam prejudicando seus planos, como foi amplamente divulgado à época.
PIONEIRO Dirceu procurou Dantas para defender fundos de pensão
A assessoria de Fernando Henrique informou que o ex-presidente está em viagem sem possibilidade de comunicação e por isso não teria como comentar as declarações do banqueiro.
Na entrevista, Dantas contra-atacou pela primeira vez, contando histórias de operações que não se materializaram, como o pagamento dos R$ 50 milhões ao PT. De fato, pode ser que Daniel Dantas, o homem cuja fortuna é estimada pela Polícia Federal em R$ 5 bilhões, nunca tenha aceitado um acordo nos moldes propostos por Delúbio. Mas, para quem passou quase duas décadas no centro dos maiores negócios feitos na zona de sombra do público com o privado, são as histórias do que ele fez – ou do que suspeitam que ele teria feito -, que lhe renderam a aura de homem-bomba das privatizações brasileiras.