07/03/2007 - 10:00
CLARIDADE O efeito de exposição
à luz equivale ao dos remédios antidepressivos
Estados de melancolia mais freqüentes, moral baixa, inapetência sexual, perda da auto-estima, e, no limite, vontade de morrer: o inverno favorece as depressões. Num país como o Brasil, tropical, cheio de sol, essa doença existe mas é menos grave. Nas regiões de alta latitude, porém, onde os invernos são longos e os dias muito curtos, a tristeza pode chegar à dimensão de verdadeira patologia. Isso acontece porque os níveis de serotonina (neurotransmissor que influi diretamente nos estados de bem-estar e bom humor) diminuem extremamente nos meses frios. Não apenas por conta da baixa temperatura, mas, principalmente, devido ao menor número de horas de luz solar. O nosso relógio biológico interno (núcleo supraquiasmático, centro nervoso do tamanho de um grão de arroz, situado atrás dos olhos) é em grande parte regido pela luz do Sol. É ela que determina, por exemplo, nosso ciclo vigília-sono: quando o Sol aparece, os raios ultravioletas captados pela retina se transformam em influxos nervosos que agem sobre esse núcleo, que, por sua vez, atua sobre a glândula epífise, fazendo-a suprimir a secreção da melatonina, o hormônio do sono.
É assim que o nosso organismo compreende que está na hora de começar a jornada de vigília e voltará ao estado de repouso à noite quando a ausência de luz fará com que a glândula recomece a produzir melatonina. Graças a esse processo, nosso relógio interno determina a que horas e em qual estação do ano estamos mais em forma. Certas pessoas, contudo, caem em depressão sazonal – 1,4 a 9% da população mundial. Trata-se de uma complicação de origem genética ligada a uma disfunção do relógio interno, que entra em modo de repouso cedo demais e por demasiado tempo. O problema tem solução. Nos países de alta latitude a medicina já recorre à luminoterapia que utiliza uma luz branca de 10 mil lux, o equivalente à luz de um dia ensolarado: 30 a 45 minutos de exposição diária ao sol costumam ser eficazes no tratamento de cerca de 60% dos casos dessa forma de depressão, a depressão sazonal.
Principalmente nos países escandinavos, em que nos meses de inverno o dia não dura mais de seis horas, muitas clínicas especializadas estão oferecendo a seus pacientes deprimidos esse tipo de terapia solar. Nada mais, nada menos, daquilo que Hipócrates, considerado o “pai da medicina” na Grécia Antiga, já recomendava às pessoas deprimidas. Ou seja: mandava-as olhar o Sol. Atualmente, quando a interação de fatores sazonais e culturais com o estresse da vida moderna produz um número cada vez maior de casos de depressão, a ciência descobre que os gregos estavam certos. A luz do Sol é um bom remédio para a tristeza depressiva.
O aumento dos casos de depressão é também uma conseqüência da sociedade moderna com sua produtividade e consumismo desenfreados. Na maioria dos países, cientistas e instituições de pesquisa médica se dedicam à busca de novas terapias para amenizar uma doença que é considerada epidêmica. Já é sabido que, geneticamente, fatores hereditários desempenham um papel importante no desenvolvimento de casos de distúrbios do humor. O que é investigado, agora, é a interação entre fatores genéticos e ambientais – como, por exemplo, o frio. No Canadá, o Departamento de Psiquiatria da Universidade de Toronto tem evidências de que existe um maior risco de obesidade nas mulheres que sofrem de depressão invernal recorrente e que tenham nascido na primavera. Os pesquisadores canadenses atribuem esse fenômeno a uma interação entre a herança genética dessas mulheres e o tipo particular de exposição à melatonina (hormônio cuja produção é influenciada pela luminosidade do ambiente) à qual elas foram submetidas durante o segundo e terceiro trimestre de gestação.
Essa pesquisa estabelece uma ponte entre a genética e uma outra disciplina, a cronobiologia, que estuda a periodicidade dos fenômenos biológicos. A depressão se apresenta, em todas as suas formas, com uma alteração dos ritmos circadianos, ou seja, os ritmos dos ciclos biológicos que acontecem no período de 24 horas: como o sono, o apetite, os índices de pressão arterial, as secreções hormonais e os humores. Um importante filão dessas pesquisas é aquele que se propõe a agir terapeuticamente sobre a depressão normalizando os ritmos circadianos através da administração de melatonina e de outros fármacos como a agomelatina, que potencializa a melatonina e também age sobre o sistema da serotonina. O efeito antidepressivo dessas substâncias é praticamente o mesmo do efeito da exposição à luz.