Enquanto os chineses vivem o Ano do Carneiro em seu calendário, os americanos enfrentaram um mês de tigres. A primeira manifestação espetacular do grande felino se deu em Las Vegas. Lá, em meio ao deserto de Nevada, um tigre siberiano de 300 quilos feriu com a pata, e depois abocanhou e arrastou pelo pescoço, o famoso ilusionista Roy Horn, 59 anos, que há 30 faz parte da dupla Siegfried and Roy, no show de maior público da história da cidade. O artista está em estado crítico no University Medical Center local. Dias depois, em Nova York, o desempregado Antoine Yates, 37 anos, apareceu no Hospital Geral do Harlem com ferimentos monstruosos no braço e perna direitos. “O paciente relatou que fora mordido por um cão pitbull”, disse o médico Joseph Morgan, que o atendeu. Pelo tamanho das dentadas, percebeu-se a mentira. O cachorro teria de pesar algo em torno de 200 quilos e ter uma cabeça com as dimensões e abertura de um vaso sanitário.

A polícia foi chamada para investigar o apartamento de Yates, no conjunto residencial Drew Hamilton no Harlen. Bateram apressadamente em retirada e pedindo reforços, ao constatar que o local tinha mais bichos do que a Disneyworld. O inquilino humano mantinha na moradia, de pouco mais de 60 metros quadrados, um tigre asiático adulto, batizado de Ming. Outro que coabitava o lar era Ali, um jacaré de quase seis metros de comprimento. O réptil, porém, preferia 24 horas de privacidade num banheiro. Encontraram ainda os restos de um gato, que servira de jantar a Ming, e pomo da discórdia: Antoine foi ferido ao tentar inutilmente salvar o bichano menor. Espalhou-se o boato de que o jacaré era manco de uma perna, o que se provou infundado. O tigre é que era de Bengala.

Os animais viviam em semiclandestinidade. Sabia-se no Drew Hamilton que Yates criava algum tipo de bicho. E quem poderia ignorar este fato, quando o fedor emanado do apartamento 58 era de derreter narinas? “Antoine sempre pareceu asseado. A gente sabia que o cheiro não vinha dele”, disse a ISTOÉ a moradora Shaliqua Thompson, vizinha do andar de baixo. “Ninguém imaginava que o mau cheiro viesse de um tigre”. Depois da blitz da polícia, Ali e Ming foram sedados e transferidos para refúgios de animais. Parece que o tigre não está se adaptando muito bem, desacostumado ao relacionamento com outros animais. “Eu criei Ming desde que era um filhotinho. Ele não quis me fazer mal, só queria comer o gato. Ele era meu único amigo”, disse Antoine, que servia galinhas vivas nas refeições de seu companheiro.

Yates é uma espécie americana típica: gosta de animais. Preferivelmente os grandes felinos. Ele mesmo contaria depois que já possuiu um filhote de leão, que desgraçadamente foi devorado por Ming, disposto a assegurar sua posição de rei daquela selva. A criação não é anormal, pois estão comprovadamente em cativeiro privado nos Estados Unidos nada menos do que dez mil tigres. São mantidos como animaizinhos de estimação. Esse número, segundo Bruce Gourney, do Instituto de Proteção a Animais em Risco de Extinção, da Filadélfia, dá conta de que esta é “apenas uma fração da realidade. Calcula-se que a soma total seja o triplo disso”, diz. Um verdadeiro assombro, já que somente cinco mil Pantheras tigris sobrevivem em estado selvagem em seus hábitats naturais.

A proliferação de tigres, leões e outros bichos exóticos em quintais e apartamentos americanos pode ser explicada não apenas pela aura machista que esses animais emprestam a seus donos, mas também pela enorme oferta do mercado. “Hoje é possível se comprar um tigre pela internet”, diz Gourney. Um bichano filhote custa a bagatela de US$ 300, menos do que um cão pequinês de bom pedigree (US$ 500). Em 16 dos 50 Estados americanos não existe nenhuma lei proibindo a posse de animais perigosos. Em outros 13, só se exige uma licença, amplamente ignorada. Isso para não dizer nada sobre as víboras, que saem ainda mais barato. Uma jibóia, por exemplo, está cotada a apenas US$ 100. No Battery Park, ao sul da ilha de Manhattan, tem até um fotógrafo que ganha a vida fazendo retratos de turistas envoltos numa tremenda cobra que ele mesmo fornece.

E foi para comprovar essa facilidade de comércio que o diário
New York Post
acabou envolvido em outro imbróglio felino. Na semana passada, o repórter Al Guart (um “foca” na linguagem do ramo) comprou ilegalmente de um criador um filhote de leão. O animalzinho adoeçeu,
com pneumonia e desidratação, e foi largado pelo jornalista num
abrigo para animais rejeitados. Prontamente, o jornal rival Daily News abocanhou a história, editorializando a crueldade do competidor.
Acharam o leão, batizaram-no de Boomerang (arma que vai e volta, entenda-se) e lançaram a campanha “Ajude a salvar Boomerang”. Milhares de leitores ficaram sabendo que o pequerrucho havia sido retirado da companhia da mãe dois meses antes do que seria natural
e agora buscava consolo junto a bichinhos de pelúcia. A opinião
pública caiu em cima do Post com ferocidade leônica.

O provável destino de Boomerang será o mesmo de Ming, Ali e Montecore – o tigre siberiano que feriu Roy. Foram todos para santuários para animais selvagens espalhados pelos Estados Unidos. Já os humanos têm futuro duvidoso. O cassino Hotel Mirage cancelou o show de Siegfried e Roy, este último ainda em estado crítico no hospital. O espetáculo, normalmente visto por 1.500 pessoas, ultrapassou a barreira de um milhão, um sucesso que supera em muito a combinação de performances de Elvis Presley e Frank Sinatra na cidade. Já o repórter Al Guart sofrerá processo por crueldade a animal. E Antoine Yates pode ir para a jaula por falsa acusação: ele diz que os policiais que invadiram seu zoológico roubaram US$ 7 mil que estariam numa gaveta. “Como é que um sujeito que deve oito meses de aluguel tem US$ 7 mil guardado?”, perguntou com ceticismo o comissário de polícia Ray Kelly. Pelas ruas de Manhattan, porém, Yates criou moda. Estão vendendo camisetas com a figura do tigre da Esso e os dizeres: “Ponha um tigre em sua casa.”