Números do Banco Central explicam por que a Paróquia de Santa Edwiges em São Paulo recebeu cerca de 45 mil pessoas ao longo
da quinta-feira 16. Nos últimos 12 meses foram devolvidos 96,6 milhões de cheques em todo o País e 16 de outubro é o dia de Santa Edwiges, nascida na Bavária, atual Alemanha, em 1174 e canonizada pelo Vaticano há 724 anos como protetora dos pobres e endividados. Motivados pela fé, e empurrados pelo índice de
desemprego, os fiéis que começam a chegar à igreja ao amanhecer tornam-se personagens de uma economia real em que não há
índices, taxas de juros, conceitos de macroeconomia, análises de especialistas. Em Belo Horizonte, a capital mineira, onde um em
cada cinco trabalhadores está desempregado, os devotos de
Santa Edwiges somam 150 mil.

Com carteiras de trabalho nas mãos, eles rogam à santa por um emprego para o filho – o primeiro emprego –, por um salário que mantenha dentro de casa a fome em nível zero, por um milagre que interrompa o crescimento de suas dívidas – a única coisa que prospera dentro de suas casas. Em São Paulo, às sete horas da manhã, Maria de Lurdes Ferreira, 66 anos, já subia de joelhos a escadaria da Igreja para pedir sua aposentadoria rural. Às cinco da tarde, quando a quinta das sete missas do dia se encerrava, o engenheiro Ademar Ascar, 59 anos, terno impecável e gravata, agradecia a graça que obteve em 1992 para a sua empresa de embalagens. Em volta dele e dentro da igreja ninguém conseguia tirar o pé do lugar nem se mexer. Acompanhavam a missa convictos na fé de que Santa Edwiges é poderosa, sempre pronta a resolver seus problemas.

O padre Alexandre Alves Filho, 30 anos, eleitor de Lula, admite que o sentimento religioso cresce junto com dívidas e mazelas que envolvem dinheiro, como
o caso de dona Maria. “É uma espécie de termômetro das crises”, diz ele, jovem que abandonou a vida religiosa e retornou absolutamente convencido de
sua vocação há três anos. Padre Alexandre conta
que o auge das manifestações de devoção foi nos
anos 80, quando a inflação chegou a 80% ao mês,
reaqueceu com a crise do desastrado Plano Collor
e agora ganha fôlego com os índices alarmantes
de desemprego. O altar coberto de carteiras
profissionais confirma o que diz o padre.

Não é uma multidão de pobres. Ao longo dessas crises, o perfil do devoto de Santa Edwiges está mudando. É cada vez maior o número de integrantes da classe média que pedem ajuda à santa, também venerada como padroeira das famílias. Ela foi rica, casou-se com Henrique I, príncipe da Silésia (Polônia), teve seis filhos e sempre se distinguiu por um profundo espírito de oração, penitência e caridade. Contam os historiadores que Santa Edwiges vivia com uma renda mínima, usando o restante para socorrer pobres, enfermos, idosos, viúvas, crianças abandonadas, endividados e encarcerados, a quem ajudava pessoalmente. Visitando presos, ela descobriu que muitos deles estavam ali por não conseguir pagar suas dívidas. A duquesa pagava e ainda conseguia emprego para que recomeçassem a vida.

Santa Edwiges deixou de ser rica praticando o que emperra o desenvolvimento do Brasil: a distribuição de renda. Ela se comovia com a situação dos menos favorecidos, especialmente mulheres e crianças que viviam à mercê da caridade alheia. Quando ficou viúva foi morar no mosteiro de Trebnitz, na Polônia, onde ficou até o dia de sua morte, 15 de outubro de 1243. Morreu como uma grande pacificadora. Nas imagens, ela aparece segurando uma igreja entre as mãos porque, com seu próprio dinheiro, construía igrejas, hospitais, conventos, mosteiros e escolas, onde colocava as crianças para aprender um ofício. Às viúvas dedicava carinho especial, levando-as para conventos, onde estariam abrigadas em caso de guerras. Sua vida pessoal, no entando, não era nada fácil. Dois de seus seis filhos morreram precocemente, o que é mais do que suficiente para aniquilar a vida de uma mulher. Com a morte do marido, Santa Edwiges retirou-se para o mosteiro de Trebnitz, Polônia, onde deu largos passos rumo à sua santificação.

Generosa, ela deve abençoar o pequeno comércio que floresce ao redor da igreja no seu dia. Tem de tudo. Milho verde, pipoca, medalhas, santinhos, panos de prato com a sua imagem. O comércio de velas de todos os tamanhos é dos mais fortes. Foi ali que Elisabete, 26 anos, carregando no colo o filho Carlos Henrique, se abasteceu para agradar à santa e pedir um emprego. Na dúvida em relação à possibilidade de que alguma coisa aconteça por obra de ações da política econômica, ela preferiu rezar para que o emprego caia do céu, das mãos de Santa Edwiges. Elisabete não pode esperar até 2004, quando os analistas do mercado reservam suas boas perspectivas. Mercado, para ela, é onde compra o que dá de comer a seu filho. Não tem
análises e nem perspectivas.