"Tudo indica que o
candidato de Lula
chama-se Lula "

Desde que foi criado, há 26 anos, o PT é chamado pelos intelectuais liberais de a "UDN de macacão". Esse apelido, inventado pelo professor Cláudio Lembo, tinha por objetivo ironizar o falso-moralismo e a histeria denuncista demonstrados pelos petistas. Pois agora o PT apresenta uma outra característica daquela velha UDN do brigadeiro Eduardo Gomes: a atração por golpes. Na segunda-feira 26, a Executiva Nacional do partido se reuniu em Brasília para discutir a lista de indicações para o segundo governo Lula. Ocorre que um outro tema, ainda menos republicano, foi tratado nas conversas. O PT começou a discutir abertamente um plano para conceder um terceiro mandato para o presidente Lula. A idéia é apresentar ainda este ano um projeto-de-lei ao Congresso, a ser aprovado por maioria simples, que estabelece um plebiscito sobre a adoção do parlamentarismo. O plebiscito seria realizado em 2008, junto com as eleições municipais. Aprovado, Lula poderia concorrer mais uma vez à presidência ao final de seu mandato, em 2010. E, dessa vez sob um sistema parlamentarista, Lula poderia concorrer quantas vezes quisesse, se eternizando no poder. "Vamos oficializar essa proposta no Congresso do PT, em julho", anuncia o deputado Devanir Ribeiro, da bancada pessoal do presidente e amigo de Lula desde os anos 70, quando os dois foram diretores do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Na quinta-feira 1º, o próprio Lula procurou enquadrar o partido. "Não há hipótese de eu tentar a reeleição pela segunda vez", afirmou.

A Constituinte de 1988 estabeleceu um Plebiscito, em 1993, para que todos os brasileiros decidissem qual o regime e o sistema de governo queriam para o Brasil. Monarquia ou República? Presidencialismo ou parlamentarismo?
Na ocasião, o PSDB de Fernando Henrique Cardoso se engajou pelo parlamentarismo. O PMDB, como sempre, se dividiu. O PFL de Marco Maciel e o PT de Lula entraram de cabeça na campanha pelo presidencialismo. Deu República presidencialista na cabeça. Agora que o PT chegou ao poder, quer mudar as regras. A principal razão é que o PT não tem um candidato forte para apresentar em 2010. José Dirceu fez de tudo para ser o sucessor de Lula – mas foi abatido no caminho. Antônio Palocci também. Tarso Genro não se mostrou com densidade eleitoral. Fala-se agora de Dilma Rousseff ou Patrus Ananias, mas nenhum deles parece ser capaz de derrotar Ciro Gomes, do PSB, ou os tucanos José Serra e Aécio Neves. Restou Marta Suplicy, candidata de Dirceu – mas não de Lula.

O PT de Dirceu vem pressionando o Planalto para dar um ministério de peso para que Marta pavimente sua candidatura. Nas Cidades, por exemplo. Lula fechou o semblante quando soube que Marta já fazia planos para, nomeada ministra das Cidades, distribuir pessoalmente milhões de terrenos nas favelas das metrópoles. Poderia se tornar mais popular do que ele. Hoje, Lula se contorce para mantê-la longe de Brasília. O máximo que lhe ofereceu foi um tal Ministério das Minorias, fusão de três pastas simbólicas, onde trataria de direitos humanos, integração racial, mulheres e gays. Aí foi Marta quem torceu o nariz. Lula emite todos os sinais de que não quer ajudar o PT a construir um candidato petista para sua sucessão. "Tudo indica que o candidato de Lula chama-se Lula", aposta o cientista político Paulo Kramer, da Universidade de Brasília. "Até porque o PT não tem outro". E aposta: "A proposta do plebiscito não vai passar pelo Congresso".

Há um ano, quando se planejava a campanha de Lula à reeleição, o presidente do PT Ricardo Berzoini encomendou uma pesquisa qualitativa sobre a imagem do presidente. Descobriu-se que o eleitor o via como uma espécie de ombudsman, o defensor do povo num governo ruim. Lula seria um homem bom, que tenta fazer o possível para que um governo de homens corruptos e incompetentes ajude os pobres. Enfim, aquela pesquisa detectou que o eleitorado estaria predisposto a adotar um sistema similar ao parlamentarismo, desde que o chefe de Estado fosse Lula – e o chefe de governo pouco importa, pode ser qualquer um. A adoção do parlamentarismo, em si, até poderia ser bom para o Brasil. A maior parte dos estudiosos do tema avalia que seja o sistema político mais democrático existente, o que mais acelera a redução das desigualdades e o desenvolvimento econômico. Vide o exemplo da Europa. Argumentam até que a principal república presidencialista do mundo, os Estados Unidos, em verdade teria um sistema presidencial-parlamentarista, com um Executivo e Legislativo interdependentes. Em teoria, também não haveria problema algum um país em construção, como é o caso do Brasil, rever uma decisão já tomada no Plebiscito de 1993 e, eventualmente, dar uma guinada parlamentarista. Mas o que se discute é o casuísmo da hora. A tese do parlamentarismo não está sendo levantada dentro do contexto da reforma política necessária – aí sim, seria uma discussão legítima. Está sendo patrocinada por figuras menores do petismo, que gostariam de se eternizar no poder. Dentro do PT, os costureiros são o deputado Devanir Ribeiro, metalúrgico da facção lulista, o deputado Cândido Vacarezza, porta-voz de José Dirceu, e o dirigente Rui Falcão, da sub-facção de Marta Suplicy. Outro que já aderiu a causa é o deputado Virgílio Guimarães, de Minas, que há dois anos tentou ser presidente da Câmara e provocou o desastre chamado Severino Cavalcanti. Segundo Devanir e Vacarezza, Lula seria um parlamentarista desde criancinha. No plebiscito de 1993, ele até teria defendido esse sistema nas conversas internas do PT, mas como o PT decidiu-se pelo presidencialismo, Lula, democrata que é, então se engajou de corpo e alma na defesa do presidencialismo. Mas agora, diante da realidade dinâmica dos fatos, Lula poderia se engajar de bom grado em outra tese. "Temos apenas que ter o cuidado de aprovar a reforma política antes do parlamentarismo", ressalva Devanir. "Isso poderia atropelar as discussões".

O Brasil tem uma história golpes, notadamente os militares, aquele fenômeno que o cientista político Oliveiros Ferreira, da USP, chama de "longa noite hobbesiana’ uma escuridão que durou século e meio, iniciada em 1821, quando as tropas do Exército no Rio de Janeiro obrigaram o príncipe regente Pedro de Alcântara a substituir o ministro da Guerra, e que se prolongaria até 1985, quando o último general-presidente do regime de 64, João Figueiredo, deixou o Palácio do Planalto pela porta dos fundos. Foram pelo menos 15 as intervenções políticas dos militares em momentos decisivos da história brasileira. A 16ª tentativa, a derradeira, quando então coronel-ministro César Cals pregou a prorrogação do mandato de Figueiredo para impedir que Tancredo Neves tomasse posse, não colou. Os deputados Devanir e Vacarezza são os César Cals do PT. Desde a redemocratização em 1985, não tivemos tentativas de golpes de Estado, somente dois casuísmos – os cinco anos de mandato para José Sarney, e a reeleição para Fernando Henrique Cardoso. Parece que Lula também quer deixar sua marca negativa na história.