Se o apagão transtornou a vida dos brasileiros, imagine o que aconteceria com o secão? O secretário de Recursos Hídricos, Saneamento e Obras do Estado de São Paulo, Antônio Carlos Mendes Thame, 55 anos, engenheiro agrônomo com mestrado em economia rural, alerta que o País está à beira de uma crise de falta d’água, devido ao colapso no abastecimento, que independe das chuvas. A idéia de que o Brasil, abençoado por Deus e bonito por natureza, é o paraíso das águas faz parte do imaginário da população, acostumada à fartura e por isso mesmo dada ao desperdício. O País tem 12% da água potável do planeta, mas 80% dessa riqueza está na região amazônica, portanto, distante dos grandes centros. Os 20% restantes abastecem 95% da população brasileira. Vários Estados, como Paraíba, Pernambuco e boa parte de São Paulo, já experimentam o drama da falta d’água. Assim como há luta pela terra, começam a ocorrer no País conflitos na área rural motivados pela disputa por água. Além de desperdiçar, o Brasil cuida muito mal de suas águas, poluindo-as e usando-as irracionalmente. Uma das consequências disso é que 70% dos leitos dos hospitais são ocupados por pessoas que contraem moléstias transmitidas pela água. A ingestão de água contaminada, aliás, é uma das maiores causas da mortalidade infantil. Um dos maiores desafios deste século em todo o mundo, a escassez de água tem várias causas: o crescimento demográfico, a distribuição de água não uniforme, a concentração urbana, a ocupação desordenada dos grandes centros urbanos, o uso irracional, a poluição da água e o desperdício.

ISTOÉ – O País está à beira de uma crise de escassez de água, como ocorreu com a energia?
Thame

á estamos no curso de uma crise porque o primeiro apagão, na verdade, não foi originário, mas sim derivado da falta de água para mover as turbinas das hidrelétricas, que geram mais de 90% da energia elétrica consumida no Brasil. Nos concentramos no sistema de energia hidrelétrica, que funcionou bem durante uns 100 anos. Hoje estamos com esse problema porque não choveu. Onde está a imprevisibilidade do governo? No fato de que imaginávamos que iríamos ter dois anos seguidos sem água, com menos de 35% da média histórica de chuvas. A imprevisibilidade e a falta de planejamento foi confiar que, logo após um ano sem chuva, São Pedro ia ajudar.

ISTOÉ – Então o apagão já foi resultado do secão?
Thame

Esse fenômeno não ocorre só no Brasil. O rio Nilo, na época da estiagem, não chega mais ao mar Mediterrâneo. O rio Amarelo, na China, também não chega mais ao mar no período da estiagem e o rio Colorado, nos Estados Unidos, também não, o que mostra que não é apenas em países em desenvolvimento que há falta de água. Quem vê fotografias do rio São Francisco fica desolado porque nunca imaginou que ele chegaria a uma situação tão deplorável. Os cientistas dizem que os dois grandes problemas que a humanidade terá de enfrentar nos próximos anos são o aquecimento global e a escassez de água.