22/10/2003 - 10:00
Na segunda-feira 13, o governo começou a dar o troco a uma campanha de alguns órgãos de imprensa que criticavam a posição firme assumida pelo Itamaraty contra os Estados Unidos nas negociações da Alca e da OMC. O primeiro escalado foi o próprio chanceler, Celso Amorim, que voltava a ser criticado pelo seu colega de ministério, Roberto Rodrigues, da Agricultura, desejoso de uma participação direta de sua pasta no processo de negociação. “Quem comanda as negociações internacionais, por ordem do presidente Lula, sou eu”, afirmou Amorim no Rio de Janeiro. O chanceler foi enfático ao dizer que não havia possibilidade de, como sonhavam Rodrigues e o ministro da Indústria e Comércio, Luiz Fernando Furlan, o Itamaraty abrir mão do controle total do processo. “Não vamos terceirizar a negociação”, disse ele.
Mas o governo deve ter achado que não bastava Amorim falar para acabar com as resistências. No mesmo dia, nada menos que o poderoso ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, aproveitou uma ida ao Congresso para reforçar o recado presidencial: “Entre a opinião, que é livre, e a execução da política há uma diferença grande. O debate ocorre em várias esferas intermediárias, mas quem executa as negociações internacionais é o Itamaraty”, afirmou Dirceu. Ele destacou ainda que o governo considerava que as negociações, tanto na OMC quanto na Alca, “estão sendo muito bem conduzidas pelo Itamaraty, de acordo com as determinações do Palácio do Planalto”, enfatizou o ministro.
As intrigas contra a política do Brasil na Alca e na OMC não se limitaram às reclamações da dupla Rodrigues-Furlan contra Celso Amorim e suas repercussões na mídia. No bolo, incluíram o secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães, um notório crítico da Alca, que os grupos a favor da adesão pura e simples do Brasil às propostas americanas consideravam o responsável pelo endurecimento nas negociações.
Uma das versões dizia que Samuel seria removido para a Embaixada
do Brasil em Buenos Aires, abrindo espaço para alguém “mais flexível”. Samuel teria se recusado a deixar o posto e irritado Celso Amorim. No Itamaraty, essa história foi recebida com gargalhadas. “Celso e Samuel são amigos íntimos há mais de 30 anos. Um filho do Celso é casado com uma filha do Samuel. Uma briga entre os dois é impossível”, comentou
a ISTOÉ uma alta fonte diplomática.
No Itamaraty, as críticas à firmeza dos diplomatas nas negociações da Alca ou da OMC são encaradas como reação de setores que tem seus interesses contrariados. Para setores voltados à exportação de produtos agrícolas e pecuários, a Alca aberta e a OMC dentro dos padrões da proposta conjunta dos Estados Unidos e da União Européia, mantendo, por exemplo, os gordos subsídios agrícolas, não incomodariam muito. Especialistas do Itamaraty mostram que todos os pontos problemáticos na OMC, que terminaram por melar a reunião de Cancún, continuam em pauta e se refletem na Alca. “O debate não é entre sim e não à Alca. É entre uma Alca equilibrada e uma Alca a qualquer preço. As regras de propriedade intelectual que os Estados Unidos querem impor, por exemplo, podem matar a produção brasileira de genéricos”, afirma Celso Amorim.
O chanceler lembra ainda que, caso as compras governamentais sejam reguladas de acordo com a proposta americana da Alca, a Petrobras não poderá dar preferência à indústria nacional nas licitações para construção de plataformas de petróleo, como determinou o próprio presidente Lula. A verdade é que Brasil e Argentina, hoje, são os que estão em uma posição de força nas negociações da Alca. “Sem os dois, a Alca terminaria ficando uma espécie de Naftão, o bloco formado por EUA, Canadá e México, que ganharia parceiros como Colômbia, El Salvador e outros”, afirmou a ISTOÉ um especialista do Itamaraty. Isso mostra que a opção dos dois principais sócios do Mercosul está certa em priorizar seu bloco. Além de buscar ampliar o Mercosul, com a entrada do Peru como país associado, Brasil e Argentina querem atrair os demais países do Pacto Andino para o grupo, o que aplainaria o caminho para um bloco sul-americano antes da Alca. Amorim destacou que a pressão pela manutenção dos prazos na negociação da Alca foi feita pelos EUA e rechaçada pelo Brasil e seus parceiros no Mercosul. “Não podíamos ser atropelados por prazos artificiais. O que realmente não está ocorrendo é a remoção das barreiras não-tarifárias (subsídios) por parte dos EUA.” O chanceler ainda ironizou a versão segundo a qual o Brasil estaria isolado nas negociações do Mercosul com a Alca. “Isso é o mesmo que dizer que, numa negociação da Ásia, a China e a Índia estão isoladas.”
China e Índia, aliás, são parceiras do Brasil no G-22, agora chamado de G-X. Celso Amorim destaca que este é outro campo onde a interação entre Argentina e Brasil é total. “O número não interessa. O importante é que o G-X já é reconhecido como um interlocutor de peso. Caso contrário, não seríamos convidados formalmente para participar de uma nova reunião ministerial da OMC”, revela. Ele considera que as pressões feitas pelos EUA sobre alguns dos integrantes do G-X foram “desnecessárias e descabidas”. E lembra que, antes de Cancún, os americanos concordavam com 80% das propostas do grupo liderado pelo Brasil. “Quem mudou de posição foram os EUA, aliando-se à União Européia na defesa dos subsídios”, afirma. Amorim destaca que a posição brasileira será sempre de buscar a negociação e o entendimento. Mas é enfático ao dizer: “Negociação sim, mas sem subserviência e sem confronto. E sempre tendo em vista o interesse nacional.”