Na tentativa de se auto-sanear, o Ministério Público Militar resolveu mexer no corporativismo. Está obrigando sete de seus membros a devolver o dinheiro recebido a título de auxílio-moradia – R$ 1,8 mil por mês –, embora eles não tivessem despesa alguma com aluguel. A parábola ética é mais significativa porque esses membros são dois subprocuradores-gerais, três procuradores e dois promotores, lotados em Brasília, Campo Grande, Manaus, Rio Grande do Sul e Curitiba.
Os sete membros cujos processos já foram avaliados e considerados casos irregulares pela auditoria interna do Ministério Público da União (Audin) são Adriana Lorandi, Alexandre Carlos Umberto Concesi, Maria
de Lourdes S. Gouveia Sanson, Cláudia Rocha Lamas, Dimorvan Gonçalves Leite, Sandra Mara Regis e Osmar Machado Fernandes. O prejuízo total ao Erário nos últimos anos ultrapassa R$ 1 milhão. Alguns recorreram à Justiça, como a promotora Sandra Mara Regis. Transferida para Manaus, ela deveria ter recebido o auxílio-moradia somente até o momento em
que passou a residir numa casa da Marinha a que seu marido tinha direito. Mas continuou a embolsar os R$ 1,8 mil. Suas razões de defesa: “Sofreu três cirurgias no intestino, fato que aumentou as despesas médicas
e levou-a a alimentar-se de forma mais onerosa, à base de frutas, verduras e legumes muito caros em Manaus por chegarem à cidade por barco ou avião.” A seu favor, Mara Regis disse que a procuradora-geral na época, Adriana Lorandi, sabia de sua mudança e teria lhe garantido não haver problema em continuar com o benefício mesmo sem ter
mais gasto com aluguel.

A ex-titular do MPM e atual subprocuradora-geral Adriana Lorandi não poderia, realmente, pensar diferente. Ela própria recebia o benefício, julgado ilegal no processo administrativo nº 11-R. Adriana, ex-mulher do deputado Enéas Carneiro (Prona-SP), mudou-se do Rio de Janeiro para Brasília em setembro de 1996 e fez jus ao auxílio-moradia. Em março de 2000, assumiu o cargo de produradora-geral da Justiça Militar e, em maio do mesmo ano, assinou um instrumento particular de cessão de direitos como cessionária de um imóvel de 300 metros quadrados no condomínio Estância Jardim Botânico, para onde se mudou. A cláusula terceira do referido documento lhe dá “posse definitiva” e total direito de uso da casa a partir daquela data. Atualmente na Itália, onde faz mestrado na Universidade de Teramo, Adriana move ação ordinária contra o MPM.

Sua justificativa é que seu direito sobre seu imóvel “é precário, de extrema fragilidade e sem definitividade” devido ao fato de “o condomínio estar pendente de regularização”. Não convenceu o MPM, que mandou descontar mensalmente em seu contracheque R$ 1.372,94 até completar o montante de R$ 46.680. O subprocurador-geral Alexandre Concesi usou tese parecida. Ele diz não ter imóvel em Brasília, onde está lotado, e que a mansão em que reside – no condomínio Botanic Garden, um dos mais suntuosos do Distrito Federal – não é dele, já que foi comprada por sua “companheira”, como se refere à mulher com quem vive maritalmente há mais de dez anos e tem duas filhas. O despacho da Procuradoria-Geral resume: “O ponto relevante é que Sua Excia. (Alexandre) não tem mais qualquer despesa com moradia.”

O TCU já analisou os processos e remeteu-os para a Procuradoria Geral da República, que está verificando improbidades. Um profissional do
nível destes sete membros recebe salário líquido em torno de R$ 11 mil, mais auxílio-alimentação, plano de saúde e auxílio-moradia. O último benefício, de acordo com a Portaria nº 465, de 1995, assinada por Geraldo Brindeiro, ex-procurador-geral da República, é muito claro:
quem não tem despesas com moradia não deve cobrar do governo
uma conta que não paga. E ponto final.