A CPI dos Grupos de Extermínio vai investigar as execuções praticadas por matadores na Grande Recife, como a “firma” de segurança comandada por um soldado da PM de Pernambuco, Eduardo José dos Santos. A empresa serve de fachada para um esquema de extermínio, patrocinado por comerciantes locais, em Jaboatão dos Guararapes. O secretário de Defesa Social de Pernambuco, Gustavo Lima, decidiu reabrir as investigações de assassinatos ocorridos nos últimos três anos na região e arquivados por falta de provas, como a morte do advogado Antônio Armando de Moura, 56 anos. Ele foi executado em 13 de junho de 2001, com cinco tiros na cabeça. Entre outras vítimas do grupo estão o mecânico Capitulino Tadeu Borges Neto, 44 anos, e José Marques Freire, 29, assassinados na Grande Recife. “Vamos pedir a prisão preventiva dos integrantes desse grupo, inclusive dos policiais envolvidos”, garantiu Gustavo Lima. Um dos que devem ser presos, o soldado Eduardo dos Santos, já foi afastado da PM. Como denunciou ISTOÉ, pelo menos 30 mortes foram discutidas em gravações telefônicas captadas pela Polícia Federal entre 2001 e 2002. A Polícia Civil não foi acionada na época.

“Não é possível que crimes sejam planejados sem que ninguém faça nada. Se uma autoridade policial sabe que alguém está para ser assassinado e não toma providência, está mostrando descaso com a vida humana”, critica o deputado federal Luiz Couto (PT-PB), relator da CPI dos Grupos de Extermínio, que vai convocar a PF para se explicar. Ao investigar uma quadrilha acusada de corrupção e sonegação fiscal, na chamada “Operação Vassourinha”, realizada em setembro do ano passado, a PF encontrou evidências de contratação, planejamento e execução de homicídios, além de tráfico de drogas e armas e venda de carros roubados. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Pernambuco acusa a PF de omissão por não ter repassado ao governo do Estado o dossiê de mais de mil páginas com as gravações telefônicas, feitas com autorização judicial. Em muitos casos, os matadores dão suas localizações e de suas vítimas antes e depois de cometer os crimes. O presidente da OAB-PE, Ademar Rigueira Neto, defende o enquadramento dos policiais omissos em crime de homicídio. A PF e o Ministério Público Federal, que pediu os grampos, afirmam que fizeram a sua parte: repassaram ao MP Estadual a informação de que mortes estavam sendo planejadas. Nenhum dos crimes foi impedido e os grupos continuam na ativa.

As mortes gravadas pela PF foram planejadas entre 21 de
fevereiro de 2001 e 4 de abril de 2002. Em junho de 2001, dois
dos 15 matadores identificados pela PF discutem detalhes de
uma das execuções encomendadas.

“Vi Tarzan agora rodando na Kombi, no Cabo (Cabo de Santo Agostinho, na Região Metropolitana do Recife), fazendo frete. Uma Kombi branca, de pára-choque azul”, diz o matador Toinho.
“Ah! Então é aquela 3076”, confere seu parceiro, Sandro.
William Amaro da Silva, o Tarzan, foi executado no dia 22
de junho de 2001.
Outra gravação mostra dois dos matadores da firma, Sandro e Binha, planejando uma morte na rua da Mangueira.
“Vou fazer defunto aí hoje”, avisa Sandro.
“Tu vem mesmo?”, confere Binha.
“Vou, porra, de Rochedo.”

Segundo o Ministério da Justiça, grupos de extermínio atuam em pelo menos 15 Estados brasileiros. A CPI ouviu na terça-feira 14 os promotores públicos Rosemary Souto Maior de Almeida, de Itambé (PE), e Edgar Braz, de Paudalho (PE), ameaçados de morte. Eles pediram o envio urgente de uma força-tarefa federal à região. Rosemary denuncia a ação dos “anjos da guarda” e Braz investiga os crimes atribuídos aos “abelhas”, grupo comandado pelo ex-PM Antônio Moreira. “Não sei até quando vamos aguentar esperar essa força-tarefa”, diz a promotora. Na divisa entre os Estados de Pernambuco e da Paraíba, grupos de matadores já executaram 235 pessoas nos últimos cinco anos. Duas testemunhas, após serem recebidas pela relatora da ONU para Execuções Sumárias, Arbitrárias e Extrajudiciais, Asma Jahangir, foram assassinadas. Outra testemunha da ação de grupos de extermínio foi executada neste mês. O líder comunitário Reginaldo Firmino Alves, o Naldinho, 38 anos, levou um tiro de espingarda calibre 12 na cabeça, perto de sua casa, no bairro Cristo Redentor, na zona sul de João Pessoa (PB). No dia seguinte, 13 de outubro, Reginaldo iria depor na Justiça como testemunha de torturas praticadas por PMs. E a impunidade continua.