30/01/2002 - 10:00
Parece novela de mau gosto que não acaba nunca. Há 16 anos, basta o verão chegar para o Brasil passar a conviver com devastadoras epidemias de dengue, doença transmitida pelo mosquito Aedes aegypti. Só em 2001, foram registrados mais de 390 mil casos no País. Neste ano, a doença voltou a atacar. Desta vez, porém, a epidemia traz um agravante assustador: o risco de aumentarem os casos da dengue hemorrágica, a versão mais grave – e algumas vezes fatal – da enfermidade.
Essa forma de dengue pode ser provocada por qualquer um dos quatro tipos de vírus causadores da doença e transmitidos pelo Aedes aegypti. Sua ocorrência depende do grau de agressividade do vírus e da capacidade do organismo de se defender. Mas agora o Brasil se depara com a ameaça do aumento de casos mais graves por causa do histórico da doença no País. Desde 1986, quando começaram as epidemias, a população vem sendo exposta à infecção pelos vírus do tipo 1 e 2. No entanto, em 2000 foi achado, no Rio de Janeiro, o vírus do tipo 3. Ou seja, surgiu mais um agente para ameaçar inclusive aqueles que tiveram a dengue causada pelos vírus do tipo 1 e 2. E é essa diversidade de microorganismos que eleva as chances de ocorrência de dengue hemorrágica. “Se a pessoa que já teve dengue for picada de novo, mas desta vez por um mosquito portador de um tipo de vírus diferente do responsável pela primeira infecção, tem maior chance de manifestar a forma mais grave da doença”, explica Luiz Jacintho da Silva, chefe da Superintendência do Controle de Endemias de São Paulo.
E a tendência é que o vírus do tipo 3 se espalhe. Hoje, de acordo com a Fundação Nacional de Saúde, Rio e Roraima são os únicos Estados onde sua presença já foi comprovada. Mas o vaivém de turistas pode promover a chegada desse agente a outras localidades. “Se alguém contaminado pelo tipo 3 for picado por outro mosquito Aedes aegypti, o inseto pode adquirir o vírus e retransmiti-lo”, explica o infectologista José Geraldo Ribeiro, de Minas Gerais.
A dengue clássica provoca forte dor de cabeça, dores no corpo, febre alta e vômitos. Nesse caso, tratam-se os sintomas. A hemorrágica pode apresentar sangramentos na gengiva, na pele, nariz e intestino. Quando ataca, exige internação para monitoração da pressão arterial, frequência cardíaca e rins. “É preciso fazer uma hidratação por via venosa”, explica Maurício Forneiro, chefe de Emergência do Hospital Copa D’Or, do Rio. Sem tratamento adequado, os dois tipos podem levar à morte. No Rio, só em janeiro a dengue hemorrágica vitimou 91 pessoas e causou duas mortes. Uma das vítimas foi o secretário municipal de Governo, João Pedro Figueira, 35 anos. “Fiquei nocauteado”, conta.
Essa nova onda de dengue é uma epidemia anunciada. “Há descuido nas ações de prevenção, como o combate à disseminação do mosquito”, critica o infectologista Marcos Boulos, de São Paulo. Agora, no Rio haverá uma operação de emergência. Em fevereiro, o Estado receberá mil agentes de saúde e até o Exército participará cedendo alojamento e infra-estrutura. Na Bahia, será intensificada a eliminação de focos do Aedes aegypti nas cidades onde ocorrem as maiores festas de Carnaval. É a corrida atrás do prejuízo.