09/11/2005 - 10:00
Historiadores pouco ortodoxos gostam de especular sobre o “se” na história: que rumo as coisas tomariam se as circunstâncias
tivessem sido diversas daquelas que finalmente prevaleceram? É curioso imaginar como seria o mundo se Júlio César tivesse vencido a conspiração do Senado; ou se o imperador Constantino não legalizasse o cristianismo. Pode-se supor que um monarca mais sábio que o patético Luís XVI pudesse evitar a Revolução em França naquele fatídico 1789? E seríamos mais felizes caso Leon Trótski tivesse levado a melhor sobre Josef Stálin em 1924? Como (sobre) viveríamos depois da vitória de Adolf Hitler na Segunda Guerra? A América seria diferente se John Kennedy não fosse assassinado e acabasse reeleito em 1964? Mas “se” especulações desse naipe são exercícios pouco recomendáveis para historiadores – afinal, eles são “profetas do passado” –, os romancistas são mestres em tal ofício. Em Complô contra a América (Companhia das Letras, 482 páginas, R$ 56,50), o consagrado escritor americano Philip Roth reinventa a história fazendo o aviador e herói americano Charles Lindbergh (1902-1974), notório anti-semita, isolacionista e filo-nazista, derrotar o democrata Franklin D. Roosevelt nas eleições de 1940. Empossado como 33º presidente americano, ele proclama a neutralidade dos EUA na guerra, alinhando-se ao III Reich. Por trás disso, um complô que só se revela no final.
Com perspicácia, Roth conduz o leitor a um universo atemorizante, onde o próprio autor – filho de judeus imigrantes de Newark (Nova Jersey) que sempre se comportaram como americanos natos – aos poucos vai se sentindo um estrangeiro em seu próprio país. Enquanto o ministro do Exterior alemão, Joachim von Ribbentrop, é recebido por Lindbergh na Casa Branca, o governo americano implanta programas de transferência de judeus para regiões distantes dos EUA e bandos armados da extrema-direita organizam pogroms. Perplexa, a comunidade judaica revive seu “medo perpétuo” dividindo-se entre os que querem resistir, invocando os valores americanos, e os que preferem a acomodação, dilema que também dilacera a família Roth.
Contra o determinismo, Complô contra a América resgata a idéia do inesperado. “Visto de trás para a frente, o imprevisto implacável era o que estudávamos na escola sob o nome de história, uma matéria inofensiva em que todo o inesperado no momento em que ocorrera surge estampado nas páginas como inevitável. É o terror imprevisível que a ciência da história encobre, transformando desastre em epopéia.” Mas nem por isso o livro de Roth se presta a metáforas simplistas (está longe de ser um roman à clef, como sugere o escritor J. M. Coetzee): o hipotético governo protofascista de Lindbergh em 1940 não é uma antevisão do governo ultraconservador de George W. Bush. Melhor para a literatura.