AFP

Com aquele seu jeitão de executivo dinâmico, e sempre tentando parecer o Senhor da Guerra, chega nesta semana ao Brasil o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush. Será uma visita relâmpago, de menos de 24 horas. Será sobretudo uma visita controvertida. Bush desembarca em São Paulo na noite da
quinta-feira 8 trazendo na maleta uma série de pedidos ao Brasil – e tem partida marcada para a tarde de sexta-feira 9, menos de 24 horas depois. Não pretende deixar por aqui nenhuma concessão. Vem propor que o Brasil ensine os países da América Central a produzir álcool e biodiesel a fim de garantir o fornecimento de combustíveis alternativos para os Estados Unidos. Mas já avisou que, em hipótese alguma, aceitará discutir o fim (ou até mesmo a redução) das sobretaxas impostas contra as exportações de etanol para o mercado norte-americano. Bush quer mais espaço para que as empresas americanas atuem no Brasil, especialmente no setor de serviços. Mas também avisou que não fará concessões para que o agronegócio brasileiro aumente suas vendas para os EUA. Quer que o Brasil combata com mais rigor a pirataria contra a indústria fonográfica e cinematográfica, mas não aceita discutir a quebra de patentes para medicamentos de combate a doenças como a Aids. Bush quer também que o Brasil se entusiasme menos com a China e que olhe mais para os velhos aliados americanos. Quer ainda que o Brasil assuma as responsabilidades de líder da América Latina ou seja, que envie mais tropas para o Haiti, que pague as contas dos vizinhos mais fracos, como Paraguai, que coloque a mão nos vespeiros inventados por aliados em conflito, como Argentina e Uruguai, e sobretudo que contenha os arroubos de Hugo Chávez, da Venezuela. Até aí, tudo bem. O problema é que Bush não propõe nada em troca disso tudo.

"Será apenas uma visita política", ameniza Antônio Patriota, novo embaixador do Brasil em Washington. Do Brasil, o presidente norte-americano parte para o Uruguai e de lá para a Colômbia, Guatemala e México. Por trás desse périplo, Bush tenta minar posições brasileiras inclusive no Mercosul, prioridade um da atual política externa brasileira. No Uruguai, Bush vai buscar fechar um acordo bilateral, paralelo ao Mercosul. Alertado, Lula se mexeu e foi ao Uruguai na semana passada, antes de Bush. Teve que ceder muito para blindar o bloco contra as propostas americanas.
Bush começou o ano tentando inventar três ou quatro novas bandeiras, pois está isolado inclusive na política interna dos EUA. Uma é a economia americana, que está muito bem, apesar do susto recente com a China. Também anunciou uma nova Lei da Imigração, que procura regularizar a situação de milhões de hispânicos que estão em situação ilegal nos EUA. Outra idéia é iniciar a aproximação com a América Latina. Ele já não pode pedir mais nada aos europeus. Bush avalia que na América Latina ninguém tem nada contra ele. Exceto Hugo Chavéz e seus satélites, é claro. Na campanha presidencial de 2000, Bush anunciou que daria prioridade total ao continente, em especial à viabilização da Área de Livre Comércio das Américas, ALCA, idéia de seu pai George Bush. Mas logo vieram os atentados de 11 de setembro. A quarta bandeira que Bush quer hastear é a questão da energia. Internamente, ele está sendo muito criticado pelos democratas por ter rejeitado o Protocolo de Kioto. Agora lançou o plano de diminuir em dez anos o consumo de gasolina, substituindo-a pelo álcool. É nesse contexto que entra o périplo repentino pela América Latina. ”Bush não vai conseguir reverter a falta de atenção à região, mas também não quer entrar para a história como o presidente que virou por completo as costas para a América Latina”, diz Michael Shifter, vice-presidente do Diálogo Interamericano.

CONTRADIÇÃO Abdnur (esq.) diz que
o Brasil faz política anti-americana e Amorim
tenta viabilizar mais negócios com os EUA

Somente no início de fevereiro o Itamaraty foi comunicado pelo Departamento de Estado de que George W. Bush passaria por aqui. O objetivo oficial da viagem é falar de energias alternativas. Bush está convencido de que a ALCA já pode ter ido para as calendas – ou pelo menos vai ficar escanteada por um longo período. O ponto alto de sua passagem pelo Brasil será a assinatura de um acordo para a criação de uma espécie de Opep do biocombustível. "Já que não saiu a ALCA, vamos de álcool", ironiza Brian Dean, diretor-executivo da Comissão Interamericana de Etanol. Hoje os EUA produzem etanol do milho. É quatro vezes mais caro do que o etanol da cana-de-açúcar. Os produtores americanos recebem subsídios do governo – e o etanol brasileiro sofre uma sobretaxa de US$ 0,54 por galão exportado para os EUA. Juntos, Brasil e EUA produzem 72% do etanol mundial. Bush vem propor que os dois países estimulem a formação de um mercado mundial de biocombustíveis.

O plano de Bush é que o Brasil forneça tecnologia de produção de álcool de cana-de-açúcar e de biodiesel para nações centro-americanas. O Departamento de Estado já está fazendo um estudo sobre as possibilidades de produção de álcool de cana na Guatemala, El Salvador, Honduras, Nicarágua e República Dominicana. Todos esses países têm acesso privilegiado ao mercado norte-americano. O Departamento de Estado informou ao Itamaraty que não há a menor condição política do governo Bush retirar ou reduzir a sobretaxa ao álcool Brasileiro. Esse era o único item relevante na pauta de reivindicações do Brasil. No Itamaraty, por sua vez, a avaliação é de que a proposta de Bush tem seu lado positivo. Desde que o Brasil amplie o leque de parceiros. Uma das idéias é vender tecnologia do biocombustível para a Tailândia, por exemplo, país que tem potencial de fornecer etanol para a China. Em 2000, a China iniciou um programa de mistura de álcool à gasolina. "São enormes as possibilidades para todos", acena Greg Manuel, conselheiro da secretária de Estado Condoleezza Rice para assuntos internacionais de energia e principal idealizador da futura Opep do álcool.

Há outros pontos relevantes previstos para a conversa entre Bush e Lula. Um deles é como dinamizar os investimentos bilaterais. Os EUA querem que o Brasil abra o mercado interno do setor de serviços, em especial os seguros e as compras governamentais. Também está previsto falar do Haiti. Bush deve elogiar a atuação das tropas do Brasil em Port au Prince. Será bom para o ego de Lula. Mas significa a prorrogação das despesas bancadas pelo contribuinte brasileiro. Um ponto essencial da conversa será a estratégia dos dois países para manter abertas as negociações da Organização Mundial do Comércio. A Rodada de Doha atravessa um momento critico. Depois de anos de impasse, houve uma retomada das conversas. Estão na mesa EUA, União Européia, Japão (representando os asiáticos) e o Brasil (representando os emergentes, o chamado G-20). Bush e Lula pouco entendem do assunto. Mas devem firmar o compromisso político de que os dois países estão interessados em chegar num acordo em breve. A conversa mais importante será entre o chanceler Celso Amorim e a representante comercial dos EUA, Susan Schwab. O impasse gira em torno da abertura dos mercados agrícolas da Europa e dos EUA. Os americanos já foram mais flexíveis, mas só abrem se os europeus concederam uma brecha equivalente. Por outro lado, europeus e americanos exigem a abertura do mercado de serviço dos emergentes – que só abrem se antes eles abrirem a agricultura.

Bush chega num momento em que as relações bilaterais estão mornas – e por opções recíprocas, enfraquecendo gradativamente. "Nossa politica externa tem sido anti-americana", atacou em depoimento no Senado Roberto Abdenour, que foi embaixador do Brasil em Washington até janeiro. "O Brasil teve a oportunidade de concluir a Alca, mas destacou a cooperação Sul-Sul em detrimento das relações com os Estados Unidos". Isso dá para se ver claramente nos números. Das 500 maiores empresas americanas, mais de 400 estão instaladas no Brasil, e 60% delas são indústrias. No ano passado, exportamos US$ 24,6 bilhões para os EUA, 8,7% a mais do que em 2005. Até aí, tudo bem. O problema é que há uma década a balança comercial entre os dois países estagnou e os EUA perderam o posto de maior parceiro para o bloco do Mercosul.

O périplo de Bush tem ainda um ponto essencial para sua política externa: dar um recado para Hugo Chávez. Ele visita o Brasil e quatro países que têm presidentes recém-empossados. Mas como sub produto, ele pula a Venezuela e quatro aliados de Chaves – Argentina, Bolívia, Equador e Nicarágua. Diplomatas brasileiros estão interpretando como uma estratégia para dividir o continente entre chavistas e anti-chavistas. Bush planeja conversar sobre Chávez atravéz de Lula. Ele acha que, enchendo a bola de Lula e fortalecendo a liderança do Brasil no continente, os interesses dos Estados Unidos estariam garantidos. Mas diante desse parceiro que muito exige e nada oferece, resta saber como tirar desse encontro algum dividendo proveitoso para o Brasil.