A dor que experimentam pais e mães que têm seus filhos desaparecidos é uma ferida que nunca se fecha. E no Brasil essas chagas passam de quatro mil todo ano. Segundo o Ministério da Justiça, de 10% a 15% das 40 mil ocorrências de desaparecimento de crianças e adolescentes registradas por ano não são resolvidas ou ficam tempo demais sem solução. São casos em que a agilidade da polícia e a colaboração dos meios de comunicação são imprescindíveis, mas para lá de insuficientes no País. Alguns Estados, como Paraná e São Paulo, apresentam algumas iniciativas, mas no geral os esforços direcionados ao problema são incipientes. Há um ano, a Subsecretaria de Direitos Humanos do governo federal criou a Rede Nacional de Identificação e Localização de Crianças e Adolescentes Desaparecidos (Redesap), que pretende manter um cadastro nacional atualizado, mas engatinha na tentativa de abraçar as carências dos Estados – 50% deles não adotam a prática de suprir o site (www.desaparecidos. mj.gov.br) da rede com informações e muitos não têm equipamento nem pessoal treinado. De 23 a 26 de novembro, o órgão espera fortalecer a colaboração nacional reunindo em Brasília profissionais ligados ao tema no I Encontro da Redesap. “Estamos rompendo a inércia do Estado. Estamos incluindo o tema na agenda política”, afirma Alexandre Reis, coordenador da Redesap.

Alerta Amber – Tramitam no Congresso alguns projetos de lei que tentam regular a questão e amenizar esta mazela, exigindo, entre outras questões, a criação do cadastro nacional de crianças e adolescentes desaparecidos e o comprometimento dos concessionários das redes de televisão com o tema. Um projeto da senadora Roseana Sarney (PFL-MA) – 211/2004 – aguarda parecer da Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Mais antigo, o da deputada federal Telma de Souza (PT-SP) – 1721/1996 – foi aprovado na semana passada na Câmara dos Deputados e irá para o Senado. Há ainda outro do Executivo. O interessante seria se o governo criasse algo semelhante ao Alerta Amber, acionado nos Estados Unidos quando uma criança desaparece. O sistema surgiu depois de a pequena Amber Hagermam, nove anos, sumir e ser encontrada boiando num riacho com a garganta cortada. O segredo é a união das várias instituições policiais com os meios de comunicação, que passam a divulgar fotos das crianças e retrato falado de suspeitos.

No Brasil, a falta de informações sobre o tema impressionou o Centro de Ciências Forenses da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, quando em 2004 surgiu o interesse em aliar o conhecimento científico aos esforços da polícia para criar o Projeto Caminho de Volta. “Não encontramos estudos a respeito. O registro nem sempre é feito com detalhes. E as informações não são uniformizadas”, explica Gilka Gattás, coordenadora do projeto. Sem contar que há ainda a cultura equivocada sem base em lei, mesmo entre os policiais, de que tem de se esperar de 24 a 48 horas para registrar o desaparecimento. Um tempo precioso na preservação da vida de uma criança, que pode ser vítima de seqüestro, homicídio e exploração sexual.

O projeto Caminho de Volta, que funciona juntamente com a Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) de São Paulo, mantém um banco de DNA para identificação de crianças mortas ou enviadas para abrigos públicos e oferece apoio psicológico aos parentes. Com 200 famílias cadastradas, desenvolveu um estudo para detectar as causas do desaparecimento de crianças e o que se detectou foi um grande problema social. Apenas 24% dos casos se referem a seqüestros e raptos e a maioria se dá por fugas de casa. Entre as razões para as fugas estão: maus-tratos (35%), alcoolismo na família (24%), violência doméstica (21%), drogas (15%), abuso sexual/incesto (9%) e negligência (7%). “Até 12 anos, as fugas são mais de meninos, e na adolescência, de meninas”, explica Gilka.

Foi também em São Paulo, que tem oito mil casos por ano, que surgiu em 1996 a organização civil Mães da Sé, presidida por Ivanise Esperidião Silva, que teve sua filha desaparecida em dezembro de 1995, com 13 anos, e ganhou projeção com a novela Explode coração, de Glória Perez. Hoje tem recebido apoio da Rede Record, que está no ar com a novela Prova de amor e tem feito inserções de fotos de desaparecidos. A protagonista Joana (Bianca Rinaldi) sofre com o desaparecimento de um dos filhos. Todos os domingos, das 10 h às 12 h, as mães filiadas à entidade fazem uma manifestação silenciosa nas escadarias da Catedral da Sé, no centro de São Paulo. “Já tivemos sete mil cadastrados e 1,5 mil encontrados”, diz a presidente. Um novo recurso utilizado pela Polícia de São Paulo tem ajudado a desvendar casos antigos: o envelhecimento digital ou projeção de envelhecimento. “Temos 880 casos não solucionados e estamos fazendo o envelhecimento dos menores de 12 anos”, explica o delegado José Carlos Melo, da 2ª Delegacia de Polícia de Pessoas Desaparecidas, de São Paulo.

Envelhecimento – A ferramenta, utilizada nos Estados Unidos, não se reduz a um programa de computador. O trabalho une sensibilidade, conhecimento de anatomia e tecnologia. Sidney Barbosa, perito de reconstituição facial e coordenador do setor de arte forense da Delegacia Geral de Polícia Civil de São Paulo, explica a importância de criar referências brasileiras para a técnica. “Temos padrões raciais diferentes, muita miscigenação e grande carência social. Quando faço um rosto considero tudo”, explica ele.

A projeção de envelhecimento também tem sido útil no Paraná, Estado que desenvolveu um sistema especializado de busca. Desde 1995, o Serviço de Investigação de Criança Desaparecida (Sicride), órgão da Polícia Civil, registra e investiga o sumiço de crianças até 12 anos. Os resultados são animadores. “Resolvemos 97% das ocorrências. Este ano tivemos 84 casos. Sem solução temos 23 casos, 13 deles ocorridos antes da criação do Sicride”, informa a delegada Márcia Tavares dos Santos. Ela explica que o Sicride mantém uma relação estreita com os meios de comunicação e que uma lei estadual determina que a investigação de crianças e adolescentes até 16 anos e de portadores de problemas mentais tem que ser imediata. O trabalho de prevenção e alerta também é importante. Na década de 80, o Estado chegou a registrar 50 casos de sumiço de crianças por mês. O trabalho de prevenção é promovido pelo Sicride e pelo Cridespar – Movimento Nacional em Defesa da Criança Desaparecida do Paraná, criado por Arlete Caramês, que há 14 anos busca notícias de seu único filho, desaparecido em frente de casa. Hoje, deputada estadual, é autora de várias leis de proteção à criança no Estado, inclusive a de investigação imediata citada acima. Arlete transformou sua tragédia em luta pelos filhos de todas as mães que sofrem dessa dor que não se cura.

Ajuda: Caso você identifique alguma das crianças acima, acesse www.desaparecidos.mj.gov.br ou procure a delegacia mais próxima