15/10/2003 - 10:00
Flávio de Andrade fuma, mas tem fôlego de atleta. Ele pratica esportes, preza a qualidade de vida, tem três filhos adultos e um bebê de apenas 40 dias (obviamente preservado da fumaça do cigarro do pai) e é no Brasil o executivo que ocupa o topo na Souza Cruz, a principal empresa de tabaco do País, a 20ª privada. O fôlego que esbanja certamente é consumido pelo cerco crescente contra o principal produto que sai de suas fábricas: o cigarro. Andrade admite: a ação anti-tabagista tem sido inteligente e eficiente. Já admitiu também que esse é um produto de risco e quem não quer correr risco… Com mais de 30 anos de Souza Cruz, ele assegura que a empresa não pretende partir para a diversificação e se empenha ano a ano na redução de componentes suspeitos nos cigarros que fabrica. “A indústria tem trabalhado muito – particularmente a Souza Cruz – na redução desses componentes. Vamos continuar fazendo isso sem, entretanto, dizer que nós estamos colocando produtos mais seguros no mercado”, diz ele nesta entrevista a ISTOÉ.
As pessoas me fazem muito essa pergunta sobre o futuro da indústria. Nós, em 25 de abril deste ano, inauguramos a nossa nova fábrica em Cachoeirinha, no Rio Grande do Sul, muito moderna, com capacidade de produção inicial de 35 bilhões de unidades. Eu sempre costumo dizer que ninguém vai construir uma fábrica se não acredita no futuro do setor. Construímos essa fábrica tendo em vista a idéia de que vamos conseguir debelar o mercado ilegal do Brasil, que tem uma capacidade de 40 bilhões de unidades.
Acho que você tem razão num ponto: o cerco e as campanhas antitabagistas, além das medidas contra a indústria, estão crescendo e eu tenho que reconhecer isso. Grande parte do meu tempo hoje, como presidente da companhia, eu devoto a lidar com essas questões, não somente do ponto de vista público, mas também do ponto de vista interno. Uma das coisas que eu reclamei sobre o projeto que eliminou a publicidade do setor era da capacidade de a indústria, no futuro, se comunicar com os consumidores a respeito dos avanços de seus produtos. O que fizemos, então, foi informar, através do website, sobre os ingredientes que nós usamos na fabricação de nossos produtos e os componentes existentes na fumaça. Não é a mesma coisa.
É demonstrar ao público a evolução dos nossos produtos. Os produtos de hoje são diferentes dos que estavam no mercado há cinco anos e certamente serão diferentes daqui a cinco anos. Nós estamos trabalhando para diminuir uma série de componentes da fumaça. Até hoje não existe claramente nem por parte da comunidade científica nem por parte dos investimentos feitos em pesquisa na indústria uma comprovação de quais os ingredientes que poderiam explicar determinadas relações com a saúde das pessoas. É uma questão complexa, mas o fato é que existem algumas pistas e um dos exemplos é o de um cientista que hoje vive nos Estados Unidos, chamado Hoffman, que publicou uma lista, a lista de Hoffman, com uma série de componentes da fumaça que poderiam explicar determinadas relações causais à saúde das pessoas. Baseado nesses indicadores, a Souza Cruz vem trabalhando para reduzir vários componentes dessa lista.
Um deles, chamado nitrosaminas, está presente em uma série de coisas que nós consumimos, e no cigarro também tem. Nos últimos sete anos temos trabalhado para reduzir as nitrosaminas em nossos produtos, que apresentam os mais baixos níveis em comparação a outros.
Não existe em literatura algo que diga que nicotina causa algum problema de saúde. O que existe
é que nicotina pode causar dependência.
Eu acredito muito neste caminho, embora não tenhamos – nem a sociedade científica e tampouco a indústria – informações precisas sobre quais os componentes que poderiam determinar relações com a saúde das pessoas. A indústria tem trabalhado muito – particularmente a Souza Cruz – na redução desses componentes. Vamos continuar fazendo isso sem, entretanto, dizer que nós estamos colocando produtos mais seguros, isentos de riscos, no mercado
Porque nós não sabemos quais são os componentes que poderiam explicar essas relações. Aliás, ninguém sabe isso. Eu acredito muito que daqui a cinco ou dez anos os produtos terão muitos desses componentes extremamente reduzidos. Você vai me perguntar: mas aí os cigarros serão seguros? Não sei dizer, mas certamente os consumidores terão produtos de melhor qualidade do que hoje.
Não, o que tem caído nos últimos tempos é a oferta da indústria legal, a indústria que paga impostos. Porque nós, infelizmente, enfrentamos um mercado ilegal, que não é pequeno, e esse mercado continua crescendo no Brasil. Isso representa uma evasão fiscal de mais ou menos R$ 1,4 bilhão para os cofres públicos. Só nos dois últimos anos esse segmento cresceu 10%, 15%. São cigarros falsificados, quase sempre no Paraguai e em países asiáticos. Há também cigarros contrabandeados do Paraguai e Uruguai.
Supondo-se que essa acusação fizesse sentido, certamente ela não faria no caso da Souza Cruz, empresa que
está completando 100 anos de Brasil neste ano. Jamais faria sentido
uma acusação dessa ordem. Em segundo lugar, se você olhar hoje
do ponto de vista regulatório, o Brasil é o país que tem as maiores restrições a essa indústria
Não existe. Mesmo nos Estados Unidos, onde se fala que existe um cerco muito grande ao fumante, não há tantas restrições
a essa indústria. Nos Estados Unidos ainda é possível se fazer publicidade, aqui não. Assim como eventos promocionais. É aquele
tipo de argumento que muitas vezes se utiliza quando não se tem
outro mais objetivo para atacar a indústria.
Não houve uma mudança no padrão de consumo no Brasil com essas imagens. Hoje nos comunicamos com nossos consumidores
de maneira muito mais micro do que quando podíamos fazer comerciais. Hoje demora mais para o consumidor ter acesso à informação. Essa informação que estamos divulgando agora – os componentes da
fumaça e os ingredientes da produção de nossos produtos – eu
estou convencido de que uma boa parte da população desconhece. Dependemos muito da imprensa, que tem um papel relevante
nessa comunicação. Foi o que nos restou.
Basicamente o que se pode fazer são atividades
de merchandising nos pontos-de-venda, seja um bar, um café,
um restaurante etc.
Basicamente 6% da receita líquida da companhia.
São os mesmos, só que há uma diferença muito grande. O nível da eficiência dessa comunicação é muito mais lenta.
Não está em nossos planos nem fabricar sabonete nem diversificar o nosso negócio. Muitas pessoas me perguntam: por que vocês abandonaram a diversificação? Na verdade, a acionista majoritária da Souza Cruz, a British American Tobacco, também abandonou a diversificação como filosofia. Fizemos isso por uma razão muito simples: porque no mundo inteiro várias indústrias diversificaram seus negócios com o objetivo de reduzir riscos, independentemente de ser do setor
de tabaco ou não. E essas diversificações não foram bem-sucedidas,
não adicionaram valor a seus acionistas. Isso também aconteceu no
caso da Souza Cruz. Se você fizer uma análise do valor das ações da empresa nos anos 90, vai perceber que entre 1994 e 1996 nós fizemos o grosso do nosso desinvestimento. Comparando as ações
neste período de tempo contra o período anterior e o futuro, percebe-se que o valor da companhia aumentou, mesmo tendo
vendido grande parte dos nossos negócios.
Meus três filhos adultos não fumam. Eu fumo com moderação e prazer em todos os lugares, respeitando, claro, os lugares, as circunstâncias, etc. Além disso, faço atividades físicas quase todos os dias. Sou uma pessoa saudável.
Difícil precisar. Existem indicadores da Organização Mundial
de Saúde (OMS) que concluem que quanto menor a quantidade que
você fumar certamente você estará diminuindo os riscos. Isso significa moderação. Você fumar uma quantidade que dê prazer, sem cair
em exageros, fumando três ou quatro maços por dia. Certamente
as pessoas que fumam essa quantidade de cigarros estão indo além
do prazer de consumir o produto.
Certamente a campanha antitabagista procura trazer à população dados de impacto, dados que choquem as pessoas. Quando se coloca na televisão que pessoas morreram desta ou daquela doença relacionada com o cigarro, evidentemente isso causa um grande impacto negativo na população. Esta é a forma de o outro lado fazer campanha.
Tem sido muito forte e, eu tenho que reconhecer, com argumentos que, além de serem chocantes, são muitas vezes absorvidos pela sociedade sem que se pense muito no assunto. Cria muita dificuldade para apresentar uma contra-argumentação que seja também absorvida pela sociedade como verdadeira.
Se tomarmos a questão do fumante passivo, essa é uma estratégia que, eu diria, foi muito inteligente do outro lado. Discutível sob o ponto de vista de colocar a maioria contra a minoria, mas temos que reconhecer que foi uma estratégia inteligente porque, você imagina, são dois terços da população (a média em qualquer país) pressionando um terço da população. É irresistível.
O que tem sido feito é a campanha contra os produtos ilegais. Quando veio a proibição da publicidade do cigarro, a minha pergunta era: por que fazer isso contra 66% do mercado? O que se vai fazer com o restante, produtos ilegais, muito nocivos à saúde, sem nenhum controle das autoridades sanitárias do País? Esse assunto, muito importante, começa a ganhar espaço ma mídia.
No caso do Brasil, todas as ações contra a Souza Cruz, ações que já existem há quatro ou cinco anos, ultrapassam
a casa das 200, nenhuma delas julgada contra a empresa até hoje.
Se houve ações em que perdemos em primeira instância, recorremos e revertemos a posição.
Não. No Brasil, a maior parte das ações que são iniciadas contra a Souza Cruz se utiliza da Justiça gratuita. Então, é o tipo de negócio em que não existe risco para a parte que aciona. É o que eu chamo de indústria indenizatória, que prospera nos Estados Unidos.
Não. É uma coisa que me dá prazer