Salvar vidas não é missão exclusiva do médico. Bem informada, qualquer pessoa pode ajudar. É o que garantem os especialistas do Comitê Internacional de Ressuscitação (Ilcor, na sigla em inglês), que elabora normas para o atendimento de emergências cardiovasculares (infarto e derrame, por exemplo). Criada em 1992, a entidade reúne profissionais de saúde de diversas partes do mundo, todos apaixonados pelo trabalho que fazem. Recentemente, 68 representantes da organização estiveram numa conferência de atualização em Pernambuco, debatendo pesquisas, formas de melhorar os índices de sobrevivência e a implementação de novas diretrizes, que serão publicadas em 2005. A reunião é realizada a cada dois anos e pela primeira vez ocorreu na América do Sul.

O momento não poderia ser mais propício. Os médicos comemoraram
o anúncio de que o Brasil está implantando um sistema amplo de socorro pré-hospitalar. O Ministério da Saúde acaba de lançar o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), que até junho de 2004 pretende atingir 152 municípios com mais de 100 mil habitantes. Ele consiste
em oferecer às cidades equipes treinadas em ressuscitação. “Não é simples remoção. Os profissionais vão atender às emergências na
via pública ou nos domícilios”, afirma o ministro Humberto Costa. Os moradores das regiões integradas ao programa – que já existe em alguns municípios – podem ligar para o número 192. Nessa central telefônica,
um médico se encarrega de dar as primeiras orientações e avaliar a gravidade do problema. O sistema contará ainda com o reforço de
800 ambulâncias (650 para socorro básico e 150 para atendimento avançado). O Samu presta assistência também a vítimas de traumas, como acidentes de carro.

Ensino – Outra boa notícia é a inauguração do Laboratório de Treinamento, Simulação e Pesquisa em Emergências Cardiovasculares,
do Instituto do Coração (InCor), em São Paulo, ocorrida no final de setembro. O centro tem capacidade de receber dez mil pessoas por ano. “A finalidade é capacitar médicos, profissionais de saúde e o público leigo”, diz José Antônio Ramires, diretor geral do InCor. Em algumas horas, pode-se aprender a prestar os primeiros socorros, inclusive manusear a versão automática do desfibrilador, aparelho que faz o coração voltar
a bater corretamente por meio de descargas elétricas. A criação do espaço representa mais um importante passo dado na direção de um serviço de emergência mais eficiente. Primeira causa de mortes no País, as doenças cardiovasculares vitimam 300 mil pessoas por ano (ou 820
por dia). Letalidade seis vezes maior do que a da Aids. “Até hoje, o governo e a sociedade tinham se preocupado pouco com essas emergências e com a ressuscitação. Dos brasileiros que têm uma parada cardíaca fora do hospital, 97% morrem”, conta o cardiologista Sérgio Timerman, diretor do laboratório.

Com as novidades e os esforços dos especialistas, espera-se que esse cenário se transforme. Os médicos, daqui e de fora, querem mostrar
que resgatar a vida de alguém não é questão de milagre. Basta saber
o que fazer. Na parada cardíaca, por exemplo, é primordial prestar socorro imediato, e não correr com a vítima para o hospital. Cinco minutos depois da crise, as chances de sobrevivência caem para 50%.
E diminuem 10% a cada minuto que passa. Diante de sinais de infarto (como dor no peito e dormência no braço) também se deve travar uma luta contra o relógio. “Quanto mais tempo a artéria ficar fechada,
maiores os danos ao coração”, explica Timerman, um dos brasileiros que integram o Ilcor. A solução é procurar o médico rapidamente. O mesmo vale para o caso de acidente vascular cerebral (entre os sintomas estão a perda repentina de visão e a paralisia parcial do rosto), que deve ser tratado dentro de três horas.

Informação, portanto, é vital. E por isso o Ilcor estimula campanhas educativas para a população. “Nossas diretrizes são globais, mas devem ser trabalhadas localmente, levando em conta o status econômico da região. Mesmo que não seja possível comprar um desfibrilador para cada ambulância, por exemplo, ainda dá para salvar mais vidas. Deve-se, pelo menos, ensinar ao público como modificar os fatores de risco, como hipertensão”, recomenda o egípcio Nabil El Sanadi, do Ilcor e da Florida Emergency Medicine Foundation (EUA), que acaba de fazer uma parceria para troca de informações com o InCor. É claro que contar com um desfibrilador por perto faz uma grande diferença. Nos Estados Unidos, há aparelhos automáticos em shoppings e aeroportos. No Brasil, essa é uma realidade ainda distante. Porém um projeto de lei do senador Tião Viana (PT-AC) pretende tornar obrigatória a existência do equipamento em locais de grande concentração de pessoas. O autor do projeto acredita que o texto será votado até o final do ano.

Trauma – Um bom trabalho de educação para o público geral também é preconizado pelos médicos que fazem atendimento de trauma, a causa
de 130 mil mortes por ano no Brasil. Nesses casos estão as vítimas de homicídio, acidentes de carro, deslizamentos de terra. Segundo Dário Birolini, professor de cirurgia do trauma da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, deveria ser feito um grande esforço na prevenção, algo como um programa Trauma Zero. Algumas formas de evitar o problema, em sua opinião, são a diminuição da violência, a oferta de moradia segura e condução de veículos de modo responsável. “A ampliação do Samu é boa. O atendimento no local pode ser determinante, mas a informação é o mais importante. Além de se prevenir, a pessoa tem de saber que, no trauma, quanto antes de o paciente ser levado ao hospital, melhor”, completa.

 

Solução natural

Pesquisadores da Universidade de São Paulo descobriram que um composto fitoterápico, a catuama, tem ação desfibriladora. O efeito foi notado numa experiência feita com corações de coelho. O objetivo do estudo era encontrar uma possível relação entre o produto e o coração. Durante o teste, 20% dos órgãos sofreram fibrilação (arritmia cardíaca). “Decidimos aplicar uma injeção com catuama para verificar o que aconteceria”, conta Irineu Velasco, professor titular de clínica médica na área de emergência. Os corações voltaram a bater corretamente. Os cientistas tentam agora desvendar o mecanismo desfibrilatório do fitoterápico. “Até termos um remédio para ser usado no atendimento de emergência, levaremos cerca de sete anos. Se o processo fosse marcado em dez passos, estaríamos no primeiro”, compara. Produzida pelo Laboratório Catarinense, a catuama é a mistura das ervas catuaba, guaraná, gengibre e muirapuama.