15/10/2003 - 10:00
O primeiro-ministro israelense, Ariel Sharon, sempre gostou de mirar-se no exemplo do presidente americano, George W. Bush. A oportunidade mais recente ocorreu na semana passada, quando Sharon justificou os ataques lançados contra supostos campos de treinamento na Síria como represália a um ataque suicida do Jihad Islâmico, que, no sábado 4, matara 19 pessoas em Haifa. Assim como seu protetor americano, Sharon vê como direito líquido e certo levar a “guerra contra o terrorismo” às últimas consequências, onde quer que seja. “Israel não deixará de proteger seus cidadãos e atacará os inimigos em todos os lugares e de todas as maneiras”, ameaçou o premiê israelense dois dias depois do ataque à Síria, enquanto o governo israelense divulgava um mapa de Damasco, a capital síria, com supostas instalações de grupos terroristas palestinos. A ameaça de Sharon foi feita na terça-feira 7, numa cerimônia em homenagem aos mortos na Guerra do Yom Kippur, há exatos 30 anos
Aquela guerra sugere que a liderança israelense da época também seguia o exemplo dos poderosos amigos americanos – de outro quilate, aliás –, mas de maneira muito mais sutil. Em outubro de 1973, forças do Egito e da Síria lançaram uma ofensiva militar de surpresa, destruindo o mito de invencibilidade do Exército de Israel. Como assinalou Avner Cohen em um artigo no The New York Times, o governo da primeira-ministra israelense Golda Meir mostrou “uma combinação de arrogância, auto-engano e erro de percepção” que deixou Israel ser pego de surpresa. O historiador lembra que, embora os serviços de informações israelenses tivessem conhecimento dos planos de guerra dos dois países árabes, tais informações não se traduziram em preparação militar. Naquele momento, Golda Meir lembrava o presidente americano John Kennedy depois do episódio da Baía dos Porcos, em 1961, a fracassada operação de exilados cubanos montada pela CIA para derrubar Fidel Castro.
Mas antes que a guerra terminasse, contudo, Golda Meir iria se assemelhar a outro Kennedy, mais amadurecido, o da crise dos mísseis de 1962. Em face da instalação de ogivas nucleares soviéticas em Cuba, o presidente americano se recusou a seguir os conselhos de seus falcões, que queriam atacar a ilha comunista, o que poderia levar o mundo à hecatombe nuclear. Preferiu o bloqueio naval e a negociação. Assim, JFK venceu a parada sem ceder à tentação nuclear. Em frente da ofensiva sírio-egípcia, quando o Exército de Israel se viu na iminência se ser jogado ao mar, alguns generais, entre os quais o ministro da Defesa, Moshe Dayan, cogitaram de usar suas armas atômicas. Mas Golda – que não era nenhuma pomba da paz – rejeitou a proposta. “Como Kennedy, Golda Meir olhou para o abismo nuclear diante de si e encontrou um caminho de volta à sanidade”, escreve Cohen.
Desgraçadamente, hoje os líderes políticos não têm a flexibilidade
nem a estatura de seus dirigentes do passado. Nos EUA e em Israel, estadistas do calibre de John Kennedy, David Ben Gurion e Golda Meir deram lugar a nulidades patéticas e belicosas. Assim, Sharon é o
reflexo distorcido de Bush no espelho.