Se o leitor é daqueles que esperam ver um Egito efervescente e pitoresco, como geralmente o país é descrito nos best-sellers, Miramar (Berlendis & Vertecchia Editores, 236 págs., R$ 35), de Naguib Mahfuz, não é a leitura mais recomendada. Mas para quem espera encontrar um retrato do Egito moderno, a face fiel e madura de uma terra que ainda lambe as feridas do fim de uma revolução não de todo compreendida pelas classes menos esclarecidas, em nome das quais tudo se fez, este é o livro ideal. Escrito em 1967, Miramar mostra a literatura serena e rica
de Mahfuz, o primeiro autor de língua árabe a ganhar um Prêmio
Nobel de Literatura, em 1988.

Curiosamente, ele começou sua carreira literária justamente cedendo à tentação óbvia dos romances históricos, inspirados nos faraós e em suas vidas atribuladas. Em poucos anos, porém, o jornalista ocuparia o espaço do saudosista e abriria margem para uma fase de romances realistas que culminou com sua obra mais conhecida, a Trilogia do Cairo. Esta seria seguida de um período sabático, no qual se afastou da literatura por anos. A ela só retornaria em fase introspectiva, até se consolidar, no final da década de 1960, como um observador sério e refinado da sociedade de um país no qual tradição e modernidade duelam diariamente. É desta fase que brotou o delicado Miramar.

O livro entrelaça em rica trama as vidas de pessoas quase anônimas, imersas numa convivência forçada nos estreitos horizontes de uma humilde pensão da Alexandria. São homens e mulheres cujas rotinas se chocam, confrontando os valores antigos com as tentativas de modernização de uma sociedade que ainda não sabe que cara tem. A atmosfera é modorrenta, como se a poeira dos séculos se acumulasse sobre os ossos e as juntas de todos, impedindo-lhes os excessos. Nem as brigas naturais de um ambiente forçosamente quase promíscuo parecem ter a capacidade de mobilizar mais que um olhar vagamente curioso ou um suspiro mais profundo. As paixões são discretas, mesmo nas suas explosões, e quando induzem ao sofrer o fazem silenciosamente. É um livro elegante, discreto, mas pleno de luz e de vida possível.