"A economia brasileira está na UTI” foi a frase de Lula em recente visita aos EUA. A declaração demonstra a correta visão do presidente eleito sobre a gravidade de nossa situação econômica. Não bastasse o baixo crescimento econômico dos últimos anos, responsável pela insuficiente geração de empregos e pela elevação do desemprego, estamos assistindo recentemente ao retorno da inflação ao perigoso patamar anual de dois dígitos. Sem falar nas dívidas interna e externa que provocam asfixia cambial e financeira
de difícil superação no curto prazo.

Diante dos desafios à vista, o melhor cenário para 2003 é de que será um ano de transição. A agenda da política econômica será ocupada pela ortodoxia do receituário do FMI (ajuste fiscal e juros reais altos para conter
a inflação) e pelo encaminhamento das reformas (Previdência,
tributária/ fiscal e trabalhista). O saldo é incerto. O necessário
choque de confiança, após a posse do novo governo, deveria
permitir um recuo substancial da taxa de câmbio e do risco Brasil,
abrindo uma janela para a redução da taxa básica de juros.

A atual “bolha” inflacionária bloqueia temporariamente a queda
dos juros nominais. No entanto, se o choque de confiança for
suficiente para valorizar o real, é provável que as taxas de inflação comecem a cair logo nos primeiros meses do próximo ano. Se bem encaminhadas no Congresso Nacional, as reformas podem reforçar
o choque de confiança, “estourando” a bolha atual provocada
pelo choque de custos decorrente da desvalorização cambial.

É, portanto, positivo que o presidente Lula tenha consciência dos enormes problemas que irá enfrentar na área econômica, no início de seu governo. Com seu carisma extraordinário, será decisivo esclarecer e convencer a população, sobretudo os mais pobres, de que os resultados mais favoráveis em termos de crescimento da renda e do emprego só deverão aparecer um pouco mais adiante. No melhor cenário previsto para 2003, o PIB deverá crescer 3%. O mais provável é que o desempenho da atividade econômica seja ainda menor. Com juros altos e salários em queda, dificilmente o País crescerá mais. Cabe registrar que os rendimentos do trabalho vêm caindo nos últimos cinco anos. Com o “magro” crescimento previsto, o desemprego não deverá cair no ano que vem. E, uma vez mantidas as atuais taxas de desemprego, a margem para que os salários voltem a se elevar é muito estreita.

Entretanto, outros componentes da demanda agregada podem compensar, em parte, os obstáculos do mercado de trabalho.
A construção de uma base de sustentação do novo governo no Congresso Nacional, capaz de encaminhar a agenda de reformas, certamente contribuirá para melhorar o ambiente de confiança, ingrediente importante para a retomada dos investimentos. A repetição do crescimento das exportações e do saldo no comércio exterior
também pode compensar parcialmente as tendências de restrição ao crescimento. Ademais, nós, economistas, quase sempre ignoramos os aspectos da psicologia social que podem afetar os resultados econômicos. O início de um governo com forte apelo popular e o anúncio da prioridade de enfrentar o problema da fome podem recolocar o Brasil numa trajetória virtuosa aos olhos das comunidades doméstica e internacional. Afinal, a possibilidade de superação da injustiça social secular de nosso país certamente fortalece a auto-estima do povo e introduz um ingrediente novo na política nacional, com efeitos desconhecidos que podem alterar os rumos do desenvolvimento.