08/10/2003 - 10:00
Ele foi formado no marxismo ortodoxo do PCdoB, liderou um governo deposto por corrupção, foi dirigente de estatal na gestão do temperamental Itamar Franco, ministro do neoliberal Fernando Henrique Cardoso e, agora, um dos parceiros preferenciais do PT de Lula. Nesse verdadeiro liquidificador ideológico, Renan Calheiros, aos 48 anos de idade, é uma síntese do camaleônico perfil do político brasileiro. Nesta entrevista a ISTOÉ, o líder do PMDB anuncia que o partido quer uma aliança com o PT pelos próximos sete anos, propõe a inclusão do PMDB no núcleo duro de poder e defende abertamente a reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2006, com um vice-presidente do PMDB. Cheio de nomes para a chapa – como Anthony Garotinho, Itamar Franco e Roberto Requião –, ele ainda convida para o partido outros vices em potencial para 2006, a senadora Roseana Sarney (PFL-MA) e o atual vice-presidente, José Alencar (PL). Na entrevista, Renan se lança candidato à presidências do PMDB e defende a renovação de toda a direção partidária assim que os peemedebistas puserem os pés no primeiro escalão, previsto para outubro. Mas acha casuísmo a idéia
de mudar a lei para reeleger José Sarney (PMDB-AP) presidente do Senado. E avisa: o ministério precisa ser mais ágil e menos inchado.
Só que nessa lipoaspiração, o PMDB sonha não com duas, mas com
três pastas na Esplanada.
O PT está aprendendo a ser governo e o PFL, oposição. O presidente Lula tem feito o possível para garantir a sustentabilidade do País, implementar as reformas, estabilizar a
economia e retomar o crescimento econômico para superar as desigualdades. Para isso foi preciso o PT mudar alguns conceitos,
adotar práticas muitas vezes impensadas. É o caso, por exemplo, da relação com o FMI. Agora que o governo acertou a economia, temos condições de fazer um acordo mais favorável, diminuindo superávit e recuperando a capacidade de investimentos.
Não caracterizam questões ideológicas. Com relação às
armas, o governo tem dito que batalhará pela restrição do uso. Isso já aconteceu no Senado. O recuo que houve na Comissão de Segurança
da Câmara foi um equívoco. A composição da comissão é complicada, com pessoas que há muito defendem o oposto do que a sociedade quer. Acho que há um lobby indiscutível e ousado que trabalha à luz do dia, que financia campanhas e tem força para delongar a apreciação de projetos que restringem as armas de fogo. O grande erro foi a Câmara não ter dado ao desarmamento a tramitação de urgência urgentíssima que teve no Senado. O presidente José Sarney combinou com o João Paulo Cunha (presidente da Câmara). Acho que João Paulo errou, mas
há tempo para refazer a posição.
Hoje sou uma pessoa de centro-esquerda, que entende que é preciso construir convergências para que as coisas avancem no Parlamento. O inusitado agora é a falta de união que caracteriza os partidos. Outra coisa é a migração partidária e a cooptação. São consequências dessa base ideológica frágil dos partidos. O PMDB, por exemplo, é um partido complexo, de múltiplas correntes e dificílima administração, mas é um partido de centro-esquerda. A única maneira de construir a unidade agora era aproximar as correntes. Em 12 Estados, o PMDB votou no presidente Lula no segundo turno. Levar o PMDB para a oposição seria dividi-lo. No governo fica mais fácil, na medida em que a corrente que não apoiou Lula passa a defender governabilidade, aprovação das reformas e superação de nosso fracasso social. Enfim, temos uma convergência grande com o PT. Invertemos a equação do País. Nós entramos na base para depois entrar no governo. Agora está havendo uma entrada natural, desejada de lado a lado.
Ocupar ministério é consequência da sustentação. Num primeiro momento, o PMDB fez a opção de entrar sem ministérios, de não querer nada em troca, de deixar a discussão para depois.
É fundamental. É importante ter um pacto estratégico de poder. Dividir responsabilidades, participar da definição de políticas públicas, ter um papel relevante. O PMDB quer uma participação correspondente ao seu tamanho e prestígio.
Do ponto de vista numérico, nossa bancada é o triplo da dos outros aliados. O PMDB é o maior partido congressual e isso requer uma participação destacada. Vamos conversar agora sobre hipóteses concretas no ministério. E essa coisa de três ministérios para o PMDB me parece que tem muita lógica.
Nos preocupa a unidade partidária, queremos que o partido
vote em bloco e precisamos, estrategicamente, minimizar qualquer dissidência. O ideal é que essa participação se expresse com um representante do partido na Câmara, um no Senado e um representante dos governadores do PMDB.
Essa é uma equação complicada. Se houver uma correlação de forças que permita a alteração da Constituição para viabilizar a reeleição, não sou eu quem vai ficar contra.
A reeleição quebraria uma tradição da Casa. Ela caracteriza a permanência na presidência por um longo espaço de tempo. Hoje pode haver reeleição no inicio de uma nova legislatura. Aprovada a emenda, poderá haver reeleição no meio da legislatura. Se o Congresso entender que é necessário, paciência. Mas eu não acredito nessa hipótese. Na verdade, o Sarney tem me dito que não tem interesse.
Já que somos o aliado preferencial, queremos ter um pacto de poder com o governo, não a mera repetição do aliancismo. Um
pacto em torno de princípios, programas e objetivos. Se isso evoluir, terá desdobramento eleitoral para 2006. No último encontro com o presidente Lula, fiz questão de dizer para ele que o ex-governador Anthony Garotinho (PMDB-RJ) pensa da mesma forma, que iria ajudar
o País e refazer a relação do Rio com o governo, e que seria inevitável que estivéssemos juntos. O presidente Lula sorriu e brincou: “Também estou convencido disso, até porque, se o governo der errado, vou ter muita dificuldade para ter ao meu lado até o José Dirceu (ministro da Casa Civil) e o Mercadante (Aloízio Mercadante, líder do governo)”,
que estavam ali presentes.
Ainda é cedo para discutir nomes. Mas a Roseana honraria o PMDB se admitisse vir para o partido. Aliás, é um
sonho que nós acalentamos.
O assunto foi colocado em tese. A coisa ficou implícita, mas nunca afirmada.
Ele sempre foi uma das referências do PMDB. Se admitir voltar será bem recebido, assim como o ex-presidente Itamar Franco, que acaba de voltar e teve a receptividade de sempre.
Defendo um governo mais esguio. Se depender do PMDB, o governo deve acabar com superposições, diminuir o número de ministérios e ser mais ágil.
A aliança tem de ter desdobramentos eleitorais já nas eleições municipais. Para tanto existe uma comissão entre os dois partidos para levantar os municípios onde é possível a aliança no primeiro turno e, onde não for possível, deixar portas abertas para o segundo turno. Isso não implica abrir mão de candidaturas competitivas.
Como líder, tenho que conduzir a seleção de nomes e fazer a interlocução com o governo. Tenho que pensar no coletivo, jamais no pessoal. Não sou ministeriável. Dois nomes estão fora: o de Sarney e o meu. Prefiro aguardar o desfecho do Senado (Renan é pré-candidato à presidência). Temos o Hélio Costa (MG), Romero Jucá (RR), Maguito Vilela (GO), José Maranhão (PB), Garibaldi Alves (RN), Alberto Silva (PI). Temos excesso de nomes para o ministério.
Devemos aproveitar a oportunidade da inserção no governo para fazer nossa convenção e eleger a nova direção
por consenso, abrigando todas as correntes. Isso pode ser
feito no final deste mês de outubro.
Prefiro não citar nomes. Sarney é indiscutível, mas talvez tivesse dificuldade para acumular com a presidência do Senado. Ele
une, mas não sei se ele quer acumular.
Admito discutir a hipótese, mas só para concretizar a unificação. Se for para disputar internamente, dividir correntes, prefiro apoiar qualquer outro que una o partido.
Adotei o caminho de não acirrar divergências, principalmente com Geddel (Vieira Lima, ex-líder da Câmara). A posição que ele
defende se isola cada vez mais. Quando Geddel raciocina com a cabeça do Brasil demonstra mais competência. Quando ele pensa
com a cabeça da Bahia, pensa menor.
Acho que a reforma caminha a passos lentos por falta de recursos. Eu entendo que, na medida em que pessoas ligadas ao MST são indicadas para o Incra nos Estados, o órgão perde a isenção para avançar na reforma agrária. Defendo a profissionalização do Estado.
Para recrutar pessoas, o Estado tem que levar em conta a competência, um critério insubstituível.
A agricultura já demonstrou que é o carro-chefe da economia, e conseguiu isso a duras penas, com investimentos, na permanente busca da produtividade. Os transgênicos não podem ser vistos pelo viés ideológico. Têm que ser vistos do ponto de vista da economia, pelo pragmatismo do governo. Mais de seis milhões de agricultores no mundo plantam transgênicos. A cada dia aumenta a procura de soja transgênica da Argentina e dos Estados Unidos. E o Brasil, que deseja ser o maior produtor de soja, está perdendo competitividade. Temos que tomar os cuidados necessários, defender o consumidor, rotular o produto, mas não podemos proibir radicalmente a plantação.
São pessoas diferentes. FHC era um conversador compulsivo, um político hábil, demonstrava muito conhecimento. O presidente Lula
é um craque, tem conseguido levar seu carisma pessoal para a relação com os partidos e o Congresso e tem se dado muito bem. É muito cedo para compararmos os dois.
Eu prefiro fazer a avaliação dos três, não dos quatro. A avaliação do quarto (Collor) fica comprometida
pelas diferenças que tivemos.
Eu incluiria o Sarney entre aqueles que têm talento. O Sarney tem se revelado o político mais experiente do Brasil.
com alguns presidentes, a relação foi complicada, pela troca de interesses, o que expôs a imagem pública do partido. A pior relação do PMDB com o governo foi exatamente no mandato de Sarney, quando o partido se dividiu, não vestiu a camisa. Por isso pagou um preço enorme na eleição de 1989: seu candidato a presidente, Ulysses Guimarães, teve apenas 6% dos votos.
São momentos históricos diferentes. Naquela época o PMDB era absoluto no Congresso. Hoje ele divide com outros partidos essa condição. O dr. Ulysses tinha muito mais força e, na medida em que não patrocinava as diretrizes do governo, as coisas ficavam mais difíceis. Aquilo foi muito ruim para o PMDB, para o governo e para o País.